São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Índios da Amazônia portam 'primo' do HIV

IRINEU MACHADO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO LUÍS

Uma pesquisa da Universidade Federal do Pará revelou que 1 em cada 20 índios das 26 aldeias da Amazônia está contaminado com o vírus HTLV, considerado um "primo" de vírus da Aids, o HIV.
O vírus é transmitido por relações sexuais e contato com o sangue. Provoca leucemia, paralisias e outras doenças neurológicas.
O Laboratório de Virologia do Centro de Ciências Biológicas da Universidade do Pará pesquisou amostras de sangue coletadas de 2.000 índios em 26 aldeias da Amazônia e constatou a presença do vírus em 5% das amostras. É a primeira vez que o HTLV é detectado em índios brasileiros.
Em nove das aldeias pesquisadas, o índice de infecção é superior à média de 4% verificada por pesquisadores em tribos do México e da Argentina, por exemplo.
O caso mais grave é o da aldeia Kikrebun, dos índios caiapós, no sul do Pará, onde 41% das amostras analisadas continham o vírus.
A média de infecção detectada nas tribos supera os números de contaminação na população brasileira não-índia. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, apenas 0,3% dos doadores de sangue no país são portadores do HTLV.
Tal diferença leva os pesquisadores a crer que os índios não foram contaminados pelo homem civilizado, mesmo porque o tipo de vírus HTLV detectado nos índios é diferente dos demais.
Preocupação
Os dados são considerados alarmantes pelo professor Ricardo Ishak, 43, responsável pelo laboratório, embora o risco de morte seja baixo. "O vírus aqui detectado é de um tipo até hoje só encontrado nesses índios. Ainda não se sabe se ele é mais ou menos perigoso que outros tipos de HTLV", disse.
O risco de desenvolvimento das doenças relacionadas ao vírus é baixo. Segundo Ishak, a média mundial mostra que 5% das pessoas infectadas desenvolvem as doenças, em geral num período entre 20 e 30 anos após a infecção.
O Laboratório de Virologia tenta agora localizar índios que tenham desenvolvido os sintomas de doenças provocadas pelo HTLV. Até agora, um caso foi registrado.
No final do ano passado, uma criança de nove anos da tribo dos mundurukus, no oeste do Pará, contaminada com o vírus, manifestou sintomas de ataxia cerebelar -doença que afeta os movimentos dos membros e provoca uma espécie de tique nervoso.
Uma universidade de Dublin (Irlanda), a University College, está dando suporte técnico e laboratorial à Universidade Federal do Pará para fazer um trabalho chamado "sequenciamento genético".
Trata-se de um estudo no vírus que vai permitir saber se o tipo de vírus da Amazônia tem semelhanças com outros ou se é uma mutação surgida na floresta.
As pesquisas do laboratório começaram em 94, depois que foi divulgada a presença do vírus em tribos das Américas Central e do Sul.
As amostras de sangue pesquisadas foram coletadas desde 1985. Parte delas estava guardada no banco de soros do laboratório, que presta serviços laboratoriais e médicos a tribos desde a década de 80.
Ishak disse que ainda não é possível saber o motivo da incidência maior do vírus em algumas aldeias. Ele suspeita que, em algumas tribos, o vírus possa ser transmitido em rituais onde os índios se ferem e expõem seu sangue.
Funai
Ishak contou que as constatações da presença do HTLV em tribos da Amazônia foram entregues às autoridades da Funai (Fundação Nacional do Índio).
A Folha tentou por dois dias ouvir a coordenadora-geral de Saúde da Funai em Brasília, Ana Maria Costa, mas ela não foi localizada.
As tribos mais afetadas pelo vírus são dos índios caiapós, espalhados pelo sul do Pará e divisa com o Amazonas.
As aldeias caiapós são a Kikretun (infecção em 41% das amostras de sangue analisadas), a Kubenkokre (37%), a Aukre (33%), a Kararaô (26%) e a Kokraimoro (22%). Na tribo dos tiryós, no Amapá, a infecção atinge 15% dos índios. Em Rondônia, a tribo dos yamamadis (6%) é a única que apresentou índice superior a 5%.

Texto Anterior: Pedágio da Imigrantes tem fila de 18 km
Próximo Texto: Contágio é igual ao da Aids
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.