São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Em defesa da beleza convulsiva

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

O principal assunto entre os novos rebeldes, hoje, nos EUA, é o surgimento de uma certa Fundação pela Beleza Convulsiva.
O grupo apareceu (na Internet, naturalmente) na segunda quinzena de dezembro de 96, anunciando a criação do Prêmio Gilbert N. Kelly Jr. de Subversão.
Um dos ídolos dos integrantes da fundação é o artista plástico brasileiro Helio Oiticica (1937-1980), criador dos parangolés (obras de arte para vestir e dançar) e autor da frase: "Seja marginal seja herói".
A Fundação pela Beleza Convulsiva vai premiar com US$ 20 mil "o melhor ato de subversão criativa de qualquer produto comercial altamente visível (artigo produzido em massa, publicidade, programa de televisão etc.)".
Para se habilitar a disputar o prêmio, o ato de subversão "não pode causar danos físicos, não pode gratuitamente causar danos a produtos ou empresas e não pode ser a tentativa de uma pessoa ou de uma empresa prejudicar uma outra".
Breton
O nome da fundação foi inspirado pelo escritor francês André Breton (1896-1966), um dos criadores do movimento surrealista. Trata-se da última frase do romance "Nadja", de Breton: "A beleza será convulsiva ou não será".
Para explicar o que entende por ato de subversão criativa, a Fundação pela Beleza Convulsiva (FCB, na sigla em inglês) cita um dos seus maiores ídolos, a Organização para Libertação da Barbie (BLO).
No início dos anos 90, esse grupo foi responsável por um ato de "subversão criativa" que se tornou lenda entre os novos rebeldes.
Irritados com o machismo que há em torno da boneca Barbie, ativistas da BLO conseguiram adulterar o som embutido em uma centena de bonecas à venda em Nova York e na Califórnia.
No lugar de ouvir as frases tipicamente femininas da Barbie, as meninas que compraram ou ganharam a Barbie adulterada ouviram "Ataque! A vingança é minha", entre outras frases pronunciadas pela voz grossa que acompanha G.I. Joe, um boneco-soldado que é uma espécie de herói americano.
Anonimato e fraude
A Fundação pela Beleza Convulsiva é formada por quatro pessoas, três homens e uma mulher. Dois trabalham em publicidade, um em televisão e um com tecidos. Pelo menos um mora em Nova York e um, em San Francisco.
Afirmam que precisam se manter no anonimato por uma questão de sobrevivência.
Há suspeitas de que tudo não passe de uma fraude. Nos grupos de discussão da Internet em que estão circulando cópias do "regulamento" do concurso, muitas pessoas perguntam se a Fundação pela Beleza Convulsiva não é apenas fruto da iniciativa de piadistas dispostos a chamarem a atenção.
Se o prêmio que o grupo criou não existe, e serve apenas para divulgar as suas idéias nos meios de comunicação, a fundação já contabiliza algumas vitórias, entre as quais a publicação de uma reportagem na "Wired News", o serviço de informação online primo da revista "Wired", uma das mais prestigiosas revistas da nova cultura tecnológica.
Os integrantes da fundação dizem que estão falando sério, mas não sabem como provar: "Revelar a nossa identidade pode comprometer a segurança da nossa existência", escreveram, por meio de correio eletrônico, à Folha.
Abaixo, algumas das respostas enviadas pelo grupo em duas entrevistas realizadas via e-mail.
*
Folha - Quem é Gilbert N. Kelly Jr., que batiza o prêmio?
Fundação pela Beleza Convulsiva - Ele era o avô de um dos membros da fundação. Ele era um ativista que usava táticas radicais, incluindo sabotagem, para expressar o seu "descontentamento", como se fala hoje em dia.
Folha - Por que vocês criaram essa fundação e esse prêmio?
FCB - As coisas estão melhores hoje do que na época de Gilbert, mas só em termos materiais. Em áreas menos tangíveis, estamos piores: os trabalhadores podem cada vez menos se manifestar sobre o que fazem, e o que está sendo produzido é cada vez mais feio, burro e invasivo, visualmente.
Não é por falta de energia, interesse ou imaginação dos trabalhadores que essa situação não melhora, mas devido ao fato de os trabalhadores serem hoje tão controlados quanto eram no passado e terem o mesmo medo de perderem os seus empregos.
Outro problema é que não há união entre os "descontentes esteticamente". As pessoas que se sentem ofendidas, estética ou eticamente, pelo que está sendo produzido não sabem que há muitas outras como elas. Esperamos que a fundação e o nosso prêmio tenham o efeito de ajudar essas pessoas a se encontrarem.
Folha - A expressão "beleza convulsiva" é inspirada em Breton? Significa que vocês vêem a sua atividade como surrealista?
FCB - Projetamos esse prêmio originalmente por ativismo político, mas esperamos que o seu elemento estético não seja negligenciado. Achamos que as duas coisas andam paralelamente, como Breton e a maioria dos surrealistas demonstraram.
Folha - Para escrever o regulamento, vocês contaram com a ajuda de algum advogado, ou algo parecido?
FCB - Algo parecido.
Folha - Quem vocês admiram em termos de idéias ou atos de subversão criativa?
FCB - Admiramos o Greenpeace, a Organização para Libertação da Barbie, streakers (pessoas que correm nuas em público), Marcel Duchamp (jogando xadrez), André Breton, Helio Oiticica e inúmeros outros, conhecidos e desconhecidos.
Folha - Por que Helio Oiticica?
FCB - Oiticica vestia crianças pobres da favela com fantasias, colocava-as para dançar e chamava isso arte.

Texto Anterior: A guerra é a mensagem
Próximo Texto: CONHEÇA OS CONTESTADORES
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.