São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
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Que a história faça justiça

WALTER BARELLI

Contada quase sempre do ponto de vista dos poderosos, a história é injusta com seus personagens. Joaquim, Juca, Português, Joaquinzão teve glórias e desditas, mas marcou o sindicalismo brasileiro.
A cronologia relata sua participação no movimento de oposição metalúrgica, antes de 1964. Nessa condição, com um grupo de companheiros, está disponível para reassumir os sindicatos, em lugar dos interventores colocados pelos militares. "É preciso que o sindicado volte para a mão dos trabalhadores", diziam. E assim foram feitas as juntas governativas que organizaram eleições e reabriram as portas para a ação sindical.
Sem poder ser tachado de subversivo, retomou tradições anteriores do maior sindicato operário brasileiro. Em 1965, reconstituía a direção do Dieese, testava o mecanismo da greve "legal" e organizava comícios contra o fim da estabilidade. O regime autoritário sentiu a reação e engoliu a opção pelo FGTS, tornada depois letra morta pelas práticas empresariais. Em 1967, passa a organizar o MIA (Movimento Intersindical Antiarrocho), que em 1968 é praticamente dissolvido com uma manifestação de "guerrilha urbana", no dia 1º de maio, em plena praça da Sé.
Sucessivamente reeleito na presidência do Sindicato dos Metalúrgicos, é famoso por seus pronunciamentos. O militar delegado regional do trabalho é chamado de "general de pijama". O regime, denominado "democradura".
Quando o coronel Jarbas Passarinho, então ministro do Trabalho, tenta apertar os sindicalistas que se manifestam contra a política salarial, Joaquim vira-se para os companheiros e fulmina: "Não disse? No final ele tiraria as penas e vestiria a farda!".
O acirramento da repressão significou uma quebra de ritmo político, mas não o fim do trabalho sindical. Seu sindicato foi, talvez, o único que manteve os cursos de sindicalismo, que causavam perplexidade à oposição. Corajoso, enfrentou a repressão, que queria saber quem dava cursos marxistas, já que uma das apostilas mostrava as bases do chamado "milagre brasileiro"; assumiu a autoria do texto, livrando do pau-de-arara os instrutores do curso.
As greves de 1978, iniciadas em São Bernardo, imediatamente chegam a São Paulo, dando visibilidade a grupos opositores, que se organizam para depô-lo. É agredido com tomates e ovos, em uma assembléia da rua do Carmo. Aparentemente derrotado, durante um ano publica sua foto manchada na página de editoriais vibrantes do jornal do sindicato, mostrando um rejuvenescimento de suas teses.
Rouba da oposição o apelido, aparentemente agressivo -Joaquinzão-, e transforma-o em marca, repetida carinhosamente pela base e até pelos adversários. É preciso lembrar que tanto no Congresso dos Metalúrgicos de Lins como no de Poços de Caldas foi um dos principais propositores da criação do Partido dos Trabalhadores.
O racha da Conclat (Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras) da Praia Grande reflete a rejeição das oposições sindicais a seu nome. Como resultado, a comissão pró-CUT, saída da conferência, não consegue retomar a unidade. Criada a CUT, uma parte dos sindicatos realiza a 2ª Conclat, já com Joaquim na liderança, com a posterior criação da CGT.
Como as pautas sindicais são semelhantes, as greves gerais da década de 80 vão encontrar as centrais unidas na luta contra o arrocho salarial, e Joaquim passa a ser aceito, ou ao menos tolerado, pelos antigos adversários. Sem sua força não há greve geral.
Sua substituição por Medeiros, no sindicato, para exercer somente o cargo de presidente da CGT, significa o ocaso de sua carreira. Seu interesse em ser deputado constituinte não se concretiza. Integra a chapa de Covas como suplente de senador, mas já não tem o mesmo vigor de antes. Ao renunciar à presidência da CGT, mostra sua conformidade com a aposentadoria.
Seus últimos anos, já doente, servem ao menos para lançar dúvidas entre aqueles que o julgavam corrupto e, portanto, enriquecido na vida sindical.
Conhecia sua trajetória, sabemos que foi um líder conservador, como grande parte de sua base. Com alianças, inicialmente à direita e posteriormente à esquerda, procurou caracterizar para si e para seus liderados os ideais do sindicalismo independente. Nunca definiu o que é isso, embora em momentos tivesse tido assessores que tentavam fazê-lo, ora à direita, ora à esquerda.
Também temos dificuldade de defini-lo. Talvez uma pista seja sua trajetória: Joaquim, um torneiro-retificador que, na presidência do maior sindicato da América Latina, enfrentou e conviveu com governos e patrões, foi amado e odiado, esteve presente em todos os acontecimentos relevantes dos últimos 40 anos e deixou sua marca nessa história. Que ela lhe faça justiça!

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