São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O circuito fechado do esgoto

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Já escrevi várias vezes sobre a água -esse líquido tão precioso e tão desperdiçado. O Brasil detém 8% da água do mundo. É uma dádiva de Deus. Apesar disso, a situação é delicada.
Cerca de 80% das nossas águas estão na Amazônia, onde há apenas 5% de brasileiros. Os outros 20% têm de abastecer 95% da população. Por isso, o uso racional da água é prioritário.
Em Israel, país pobre em recursos naturais, a água dos rios que deságuam no mar Mediterrâneo é bombeada de volta para novos usos. Na agricultura, a irrigação é feita por gotejamento, onde cada gota de água é tratada como uma pérola preciosa -evitando-se o desperdício e a salinização do solo.
Tão grave quanto o seu desperdício é a sua contaminação. O Brasil trata adequadamente só 7% do seu esgoto. Os outros 93% não são tratados ou são submetidos a operações "cosméticas" que mais estragam do que ajudam a qualidade da água.
A água que é devolvida para os rios é mais suja do que a que dele foi retirada para o consumo. A maioria dos rios que banham as regiões urbanas é usada como depósitos de lixo nos quais se deposita a maior parte dos resíduos humanos.
A falta de cuidados com o esgoto e com a água tem muito a ver com o ressurgimento de enfermidades já erradicadas no Brasil: malária, esquistossomose, febre amarela, dengue etc. Nem o ministro Gustavo Krause, do Meio Ambiente, escapou da dengue...
Costuma-se dizer que as obras de saneamento não dão voto porque ficam debaixo da terra. Por isso, os governantes, que antes de tudo são políticos, preferem investir em prédios, estradas e pontes que todo mundo vê e se lembra de quem construiu.
Essa mentalidade é errada. A vida humana depende das coisas básicas como, por exemplo, água limpa. Nesse sentido, é louvável o plano do governo de São Paulo que, até 1998, estenderá a rede de esgotos a 85% dos domicílios. Só no litoral paulista, onde o problema é mais grave, os investimentos passarão de meio bilhão de dólares.
Se levarmos em conta que os Estados Unidos, que já têm uma posição bem confortável nesses dois campos, investirão US$ 10 bilhões anualmente ao longo dos próximos 15 anos, diremos que o esforço de São Paulo é muito pequeno. Mas é um bom começo. Os detritos humanos não podem continuar voltando para nós mesmos!
No nível federal, a Secretaria de Recursos Hídricos prepara uma importante campanha educativa com vistas a melhorar o uso da água e a destinação dos esgotos. Isso é crucial.
No dia em que os cidadãos-eleitores se rebelarem contra viver no meio do lixo, da sujeira, da água e dos alimentos contaminados, eles passarão a exercer uma pressão produtiva sobre os políticos que, para conseguir seu voto, terão de se comprometer firmemente para resolver esse grave problema.
Por ora, nos resta usar bem a água e rezar para que os nossos detritos não virem bumerangues...

Texto Anterior: As grandes decisões
Próximo Texto: MAU EXEMPLO; CENA BUCÓLICA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.