São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
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As grandes decisões

CARLOS HEITOR CONY

Roma - Alto e grosso, resultava num homem imponente. Sentou-se à minha frente num restaurante da Piazza del Popolo. Dominou o ambiente com um olhar periférico -eu me incluí nesse universo que ele empolgou e logo desdenhou.
O maître aproximou-se e balbuciou uma palavra mágica: "Peppinitini". Fui conferir no cardápio, não havia tal, só podia ser uma especialidade secreta da casa que existe desde 1825 -segundo a tabuleta que encima a porta principal.
Pelo nome, devia ser alguma comida apimentada. Olhei o homem para ver sua reação. Ele contemplou um pedaço do teto de onde pendiam presuntos e alhos. Criado à imagem e semelhança de Deus, ainda úmido do barro do Gênesis, ele não dispunha de chips nem de programas da informática. Se em vez de homem fosse um computador, a palavra de acesso ("peppinitini") teria provocado uma rápida escolha.
Produto da era pré-informática, ele teve de processar complicada operação mental e gustativa. Pelo seu olhar -que funcionava como duas minitelas- testemunhei o esforço dele para desencavar de suas entranhas uma resposta. Mal programado, precisou apelar para as papilas coniformes e fungiformes de seu instrumento básico para a ocasião: a língua.
Depois, enviou o arquivo encontrado para o cérebro e pesquisou retroativamente a informação recebida. O computador central da Nasa, que manda uma nave tripulada ao espaço, não se concentra tanto nem com tamanho rigor. Finalmente, vi no olhar do homem uma luz e ouvi a resposta: "Stà bene".
O maître curvou-se, orgulhoso de ter acionado a tecla certa. Comendo minha magra bisteca, esperei pelo prato pedido, que eu imaginava suntuoso. Cinco minutos depois chegou uma cestinha de vime com dois pimentões que o homem grosso e alto cheirou e mastigou lentamente, satisfeito por ter menos uma escolha a fazer na vida.

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