São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Que abundância, meu irmão!

FERNANDO DE BARROS E SILVA; ALESSANDRA BLANCO

Com mais de um metro de quadril, Carla Perez, a loira do Tchan, põe milhões de brasileiros "balançando a bundinha" no Carnaval
POR FERNANDO DE BARROS E SILVA*
Colaborou ALESSANDRA BLANCO
Você deve lembrar da propaganda: a primeira faz tchan e a segunda... Bem, a segunda agora também faz tchan. E depois tchan, tchan, tchan, tchan. O tchun foi aposentado, banido do vocabulário nacional, pelo menos enquanto durar o reinado dela, Carla Perez, a loira do tchan, o calvário dos homens, o inferno das mulheres, a mais nova mania das crianças.
E não vale torcer o nariz, dizer que nem loira ela é. Não adianta apontar as espinhas em seu rosto, insistir no fato de que é vulgar ou repetir que "igual a ela existem mil por aí". Que seja, pouco importa. A dançarina do grupo de pagode baiano É o Tchan (ex-Gera Samba) é, sim, a bola, ou -para deixar logo de lado os eufemismos- a bunda da vez.
Uma pesquisa feita pelo Datafolha entre os paulistanos dá a medida exata do reinado da loira do tchan. Qual a mulher com o bumbum mais bonito do Brasil? Resposta de 45% dos entrevistados: Carla Perez.
Somadas, todas as mulheres que mereceram alguma lembrança têm 23% dos votos, praticamente a metade do que ela conquistou sozinha. A discrepância é tão gritante que nem seria o caso de falar em disputa pelo troféu "bumbum nacional". O fenômeno Carla Perez parece antes um caso de dumping -é concorrência desleal.
A segunda colocada na pesquisa, a atriz Cláudia Raia, aparece lá atrás, com 5% dos votos. A cantora Gretchen, que passou vários anos no topo da preferência popular valendo-se exclusivamente de seu traseiro avantajado, vem em terceiro, com 3%.
A ironia, nesse caso, é que Gretchen foi uma das grandes influências na vida de Carla.
Quando era apenas uma menininha pobre de Salvador, filha de um mecânico negro e de uma camelô, a mais velha de cinco irmãos, Carla passava tardes inteiras imitando o rebolado de Gretchen, sonhando com a sua fama.
"Eu colocava o disco na vitrola e dançava como a Gretchen. Era uma loucura, adorava, achava o máximo", lembra Carla, que nem imaginava chegar aos 19 anos, completados em novembro, com uma fama que sua precursora jamais alcançou.
E o que diz a eleita ao saber que seu bumbum foi para o pódio? "Isso não me incomoda, não, pelo contrário. Eu uso ela (a bunda) para ganhar meu dinheiro também. Eu sei que dançando, botando a bunda para trás, tremendo e rebolando de costas, estou vendendo disco, o show, estou vendendo tudo. Saí na 'Playboy', apareceu muito o meu bumbum, estou ganhando dinheiro. É a minha melhor parte, eu sei. As crianças me imitam, arrebitam a bundinha como eu, não levam na maldade. Quem leva na maldade são os adultos, mas nem todos", disse ela à Revista da Folha no último dia 30, em Campo Grande (MS), onde o grupo se apresentou.
Perez X Galisteu
Os números envolvendo a carreira relâmpago da dançarina do Tchan comprovam que ela sabe do que está falando. Quando apareceu na capa da "Playboy" de outubro passado, Carla vendeu 787 mil exemplares -a tiragem média da revista é 350 mil.
Em 24 de janeiro deste ano, a "Playboy" repetiu a dose e lançou um pôster gigante da musa do tchan. A tiragem de 350 mil esgotou-se em um dia. Somadas, as duas revistas com Carla chegam perto de 1,2 milhão de exemplares -batendo o recorde de outra loira que deu certo, Adriane Galisteu (1 milhão de revistas vendidas).
Tantos holofotes voltados para um só traseiro não poderiam deixar de provocar efeitos colaterais. E eles começam dentro de casa, com acessos de ciúmes dos próprios integrantes do Tchan.
O vocalista Washington, um dos donos da banda e empresário de Carla ao lado de seu sócio, o também vocalista Beto Jamaica, tenta desconversar.
Quando perguntado sobre o que seria do grupo hoje sem Carla, ele já tem a resposta pronta: "As pessoas não compram uma fita de vídeo com a Carla, compram o CD do Tchan. Mas é claro que ela veio contribuir conosco, gostosa como ela é".
Carla ouve atenta a explicação do líder e retribui o "elogio" com um sorriso protocolar. Tem sido assim nas entrevistas coletivas em todas as cidades por onde passam.
Assim como Washington, ela também sabe quem carrega o Tchan nas costas. Os outros dois dançarinos do grupo, Débora (mulher de Beto Jamaica), e Jacaré, que assina as coreografias, nem aparecem nas coletivas. Tudo é feito para que as rivalidades internas não vazem para o público.
Até o final do ano passado, Carla recebia R$ 500 por show. Renovou seu contrato este ano. Agora ganha R$ 900 por apresentação. O grupo faz, em média, 20 apresentações por mês, o que dá a ela cerca de R$ 18 mil mensais.
Em tese, nada mal. Acontece que cada vez que o Tchan sobe ao palco cobra R$ 50 mil. A maior parte do milhão de reais faturados mensalmente fica com os donos do grupo. Carla acha que não é hora de exigir mais, o que implodiria a banda no auge da fama.
Enquanto isso, ela aproveita o momento iluminado para se defender por fora, numa carreira paralela que vai diversificando aos poucos seus alvos, exatamente como fez Xuxa quando se deu conta de que havia virado fetiche nacional.
Carla já inaugurou sua grife. Abriu também duas lojas em Salvador. O próximo passo será a boneca Carla Perez, em fase de concepção. "Toda menina quer usar o short de Carla Perez, toda criança quer a meia e a botinha Carla Perez", diz a dançarina, convertida em aprendiz de empresária.
A comparação com Xuxa pode parecer exagerada, mas está longe de ser gratuita. As crianças, meninos ou meninas, deliram com Carla. A diferença é que Xuxa fez de tudo para apagar seu passado de modelo erótica, quando cansou de aparecer nua em revistas, para afirmar-se como "rainha dos baixinhos".
Eros e outras crianças
Carla, pelo contrário, vai fisgando uma legião de minifãs na mesma medida em que vai exalando sexo por onde passa. Quanto mais exibe seu bumbum e investe sem qualquer parcimônia no seu rebolado quente e seu jeito baiano, mais ela hipnotiza a criançada.
A chegada dela a Campo Grande, no último dia 30, serve como termômetro de seu ibope entre o público mirim.
Cerca de 200 pessoas, entre crianças e adolescentes, a aguardavam no saguão do aeroporto. O vôo vinha de São Paulo e nele também estava Luiz Gustavo, o Vavá de "Sai de Baixo". Quando desceram do avião, Carla foi cercada pela multidão entre gritos histéricos. Luiz Gustavo saiu do aeroporto tranquilamente, quase incógnito, depois de distribuir alguns poucos autógrafos.
Do fascínio por Carla, nem um soldado do Exército escapou. Ao vê-la no aeroporto, tirou sua câmera fotográfica do bolso e disparou os cliques.
No hotel não foi diferente. Um público flutuante calculado em torno de cem pessoas ficou plantado lá das 8h às 23h, quando Carla saiu para fazer o show no Rádio Clube Campo.
Um dos fãs era o menino Eros de Almeida, 9, estudante da 3.a série. Ficou na porta do hotel durante 12 horas. Venceu pelo cansaço. Foi o único que conseguiu furar a segurança do hotel e subir até o quarto de Carla.
Tirou fotos, ganhou autógrafo e beijo com batom. Em transe, virou-se para o
repórter e disse: "Tio, bota a mão no meu peito, olha meu coração batendo". Parecia mesmo que o coração do pequeno Eros ia sair pela boca.
Outra estudante da 3.a série, Pamela Ramos, 9, era uma das mais eufóricas. "A Xuxa já era, tá passada. Agora é a Carla. Ela é linda, a gente tenta dançar igual mas não chega nem no dedinho do pé dela", dizia, enquanto ensaiava uns passinhos da dança do tchan.
Risos e lágrimas
Vista assim, de fora, a vida de Carla Perez parece um conto de fadas. Ela garante que não é nada disso. A começar pelo quesito namorado, coisa essencial quando se tem 19 anos. "Namorar só se for por telepatia. Não tenho tempo nem para pensar nisso", diz, desmentindo seu ex-namorado, o policial Ailton Dórea, que insiste em dizer que ainda é o titular da loira.
Além de Dórea, seu único namorado "sério", Carla teve apenas "um flerte de 15 dias" no ano passado com Crigor Lisboa, do grupo Exalta Samba.
Ela diz que perdeu a virgindade com 18 anos. "Foi só no último ano do namoro com o Ailton. Minha mãe ficava vigiando quando estávamos juntos. Ele queria fazer amor comigo, mas eu dizia não. Deixava ele ir com as outras, mas não liberava. Era boba, muito criança."
Carla atribui à família, que fazia "marcação cerrada" e ao colégio de freiras onde estudou, sua suposta timidez sexual. Com Crigor, foram só "uns beijinhos na praia".
Amores à parte, ela tem outros problemas mais urgentes para encarar. O menisco comprometido de um dos joelhos é um deles. Precisa ser operado, mas ela está adiando a cirurgia por tempo indeterminado. Não quer comprometer sua agenda profissional em 97.
Além disso, a dançarina vem passando por crises de estresse, cada vez mais frequentes nas últimas semanas. Durante o show em Campo Grande, no dia 30, ela e o Tchan se apresentaram para 7.000 pessoas num local que acomodaria no máximo 4.000 em condições mínimas de segurança. O show foi tenso.
Pessoas comprimidas na multidão desmaiavam. Beto Jamaica e Washington tiveram de interromper as músicas três vezes. Ameaçaram deixar o palco.
Carla, a mais visada pelo público, que urrava em coro seu nome seguido dos adjetivos "tesão e gostosa", ficou assustada com a selvageria. Ninguém da platéia viu, mas depois de dançar exibindo o sorriso de praxe, ela deixou o palco aos prantos por duas vezes.
No camarim, teve de comer sal para levantar a pressão e passar gelo nos olhos para disfarçar o inchaço provocado pelas lágrimas. Voltou ao palco com o mesmo sorriso e foi até o fim do espetáculo. Prova de profissionalismo.
Quando o show acabou, amedrontada, foi a primeira a deixar o teatro. Nem trocou de roupa. Saiu correndo numa Quantum, escoltada por batedores da Polícia Militar com as sirenes ligadas.
"Ela está trabalhando demais, está sobrecarregada. De vez em quando a coisa aperta e ela desaba, chora mesmo, é normal", diz Juliana Bchara, sua amiga e produtora particular, que, aos 18 anos, não desgruda de Carla e, nessas ocasiões, críticas funciona como babá.
Se passar ilesa pelo Carnaval, em que será o centro das atenções, Carla pretende descansar um pouco na turnê que o grupo faz pelos EUA em março. Vai então aproveitar para conhecer a Dineylândia. É um sonho que tem desde menina, o que, aliás, talvez ainda seja.

Texto Anterior: Para agradar os turistas
Próximo Texto: A bunda, que engraçada
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.