São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 1997
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Biblioteca da periferia ganha visibilidade com a TV

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A bandeira do Brasil desenhada à mão, em cores pálidas, com lápis de cor, anuncia a "Biblioteca: Escola Crescimento Educação Infantil" em Paraisópolis, favela com vocação de bairro, situada em meio aos condomínios ricos do Morumbi em São Paulo.
Os dizeres "Ordem e Progresso" escritos com grafite preto saltam à vista salientando a máxima positivista, adotada como meta da nação. O cartaz com a bandeira fica pendurado na janela da casa de Claudemir Alexandre Cabral, 16, aluno, até há pouco anônimo, da sexta série do ginásio público local.
"A Crítica da Razão Prática" e "A Crítica da Razão Pura" de Emannuel Kant, expostos com destaque, constituem parte da bibliografia básica inicial do acervo que incluía títulos tão variados como um "Guia 4 Rodas da Cidade de São Paulo", gibis e livros didáticos de matemática.
A biblioteca sempre impressionou pela precisão da organização. Situada na sala da frente do barraco (em vias de ser transformado em uma casa de autoconstrução), ela ocupa um canto com escrivaninha, máquina de escrever, clipes, cartões e cadernos, em que Claudemir anota os livros emprestados. Cartazes dirigidos aos membros e assinados por "A Direção" divulgam as normas da casa. Um interfone que não funciona também compõe o cenário.
O "TJ Brasil", do SBT, entrevistou Claudemir e sua mãe, D. Gessy. O "Rede Cidade", da Manchete, fez uma reportagem e promete voltar. A Bandeirantes esteve em Paraisópolis gravando uma entrevista que deve ir ao ar no novo jornal de Paulo Henrique Amorim. A Globo também já contatou o rapaz.
A visibilidade adquirida pelo empreendimento atraiu novos sócios e incrementou o movimento, até então muito restrito. A repercussão da cobertura da TV se faz sentir em doações e mais doações de novos livros. Não há espaço, nem tempo, para a catalogação das novas aquisições. A biblioteca progride, mas a ordem está ameaçada.
Contribuições surgem de todos os lados. Mas até agora ninguém se preocupou em colaborar com a formação do bibliotecário, imerso no ecletismo alucinado da cultura contemporânea na periferia da periferia.
Claudemir é o caçula de uma família especial. Leu "Feliz Ano Velho", de Marcelo Rubens Paiva, colaborador da Folha. Sua mãe é Testemunha de Jeová e criou 5 filhos sozinha trabalhando como empregada doméstica. Claudivan, seu irmão mais velho, faz vídeos de casamentos e batizados, além de treinar o time de futebol feminino de Paraisópolis, onde joga uma de suas irmãs.
A badalação televisiva será efêmera se não surgir ninguém interessado em potencializar o repertório do bibliotecário.

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