São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 1997
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O desmonte da indústria de petróleo

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES; LUCIANO ZICA

O que o país realmente necessita é de uma política de investimentos na ampliação de suas reservas
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES e LUCIANO ZICA
O presidente da República comprometeu-se publicamente a preservar a Petrobrás, negando inúmeras vezes a intenção de privatizá-la. Passado pouco mais de um ano da votação que rompeu o monopólio estatal do petróleo, parece que o compromisso assumido e as negações declaradas estão perdendo vigência, deslocadas pela inexorável lógica dos interesses externos e internos que dão sustentação ao atual governo e a seu projeto de permanência no poder.
Isto, pelo menos, é o que se deduz da proposta de regulamentação do monopólio do petróleo, na forma do substitutivo apresentado pelo relator da matéria, o deputado Eliseu Resende (PFL-MG), que amplia notavelmente os alcances "liberalizantes" do projeto do Executivo.
O vetor central do substitutivo proposto, que compatibiliza a preservação formal da Petrobrás com a sua destruição de fato, permite que seu espólio seja distribuído entre os grupos interessados, autorizando a criação e venda de subsidiárias em qualquer das áreas em que a Petrobrás já está atuando.
Com isso se abre o caminho, como destaca a "Gazeta Mercantil" do dia 23 passado, para a transformação da empresa numa "holding" de papel, para uma verdadeira privatização "por dentro". Por esse artifício, poderiam ser vendidos todos os seus ativos nobres -dutos, terminais, navios etc.- e, sobretudo, poços, áreas de exploração rentável, como a bacia de Campos, que representa mais de 80% da produção nacional, e o próprio petróleo.
A liberalização indiscriminada das importações de derivados de petróleo, também incluída no substitutivo, completa essa estratégia.
A existência de um excesso de capacidade de produção desses derivados em escala internacional não significa somente que as transnacionais não terão o menor interesse em realizar investimentos na expansão da capacidade de refino do país; implica a possibilidade concreta de, pela manipulação dos preços por elas controlados, desestruturar a produção nacional, ao que se seguiria, como ensina a experiência histórica, a transferência da propriedade dos ativos envolvidos e a recomposição, em patamares mais elevados, da estrutura de preços.
Para viabilizar essa "operação desmonte", o substitutivo atribui superpoderes ao órgão regulador que propõe estabelecer, a Agência Nacional do Petróleo, a quem caberia autorizar a venda das subsidiárias que sejam criadas, deslocando-se para a esfera burocrática decisões que, por sua relevância, são atualmente da incumbência do Congresso Nacional.
As implicações desse processo transcendem as fronteiras do sistema Petrobrás: numa situação como a brasileira, em que a indústria do petróleo está organizada com base em um monopólio integrado verticalmente, a venda de subsidiárias conduz à desarticulação da cadeia produtiva e ao desmoronamento da estrutura de preços que sustenta a competitividade, via transportes e insumos, de outros setores da economia, particularmente da agroindústria, e permite proteger os consumidores das regiões mais remotas.
Por outro lado, as facilidades e vantagens oferecidas para atrair o capital privado, especialmente o externo, com o propósito declarado de aumentar rapidamente a produção, podem conduzir a uma exploração predatória de nossas limitadas reservas, em função dos interesses das transnacionais ou da irresponsabilidade dos tecnocratas de turno eventualmente agoniados pela evolução do quadro macroeconômico.
Não é preciso destruir a Petrobrás, que tem competência demonstrada para gerar e mobilizar os recursos necessários e a quem a União deve a bagatela de US$ 8 bilhões, para aumentar a capacidade de investimento no setor. Não é com a substituição de importações de petróleo ou com o aumento de suas exportações que se compensarão estragos na balança comercial produzidos pelas políticas cambial e comercial do governo.
Não é racional, do ponto de vista estratégico, numa fase de baixos preços do petróleo no mercado internacional, buscar uma ilusória auto-suficiência imediata, que nos transformaria em totalmente dependentes do abastecimento externo no médio e longo prazos.
O que o país realmente necessita é de uma política de investimentos na ampliação de suas reservas -área que não é das mais atrativas para o capital externo- e de regulação e expansão programada da produção interna, que garanta, ao longo do tempo, estabilidade e segurança no atendimento de uma porção tecnicamente adequada da demanda interna.
Em consequência, o que está em discussão não é só a destruição da Petrobrás: sua transformação numa "holding" de papel conduzirá inexoravelmente à desestruturação da indústria petrolífera nacional, ao debilitamento de nossa capacidade de decisão estratégica e de inserção competitiva no mercado internacional e à fragilização de nossa "segurança energética". Será que é assim que, no ideário neoliberal assumido pelo atual governo, se constrói o futuro do país?

Maria da Conceição Tavares, 66, economista, é deputada federal pelo PT do Rio de Janeiro.

Luciano Zica, 46, petroleiro, é deputado federal pelo PT de São Paulo.

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