São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 1997
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Muito mais poluição à vista

VOLKER W.J.H. KIRCHHOFF

Com a determinação da portaria 64 do Ministério da Fazenda, que liberou os preços do álcool a partir de 1º/1/97, e com a portaria do Ministério das Minas e Energia que suspende a Fupa, parcela da estrutura de preços que hoje permite o equilíbrio entre o álcool e a gasolina, pode-se prever também um aumento inusitado na poluição das grandes cidades do Brasil.
A produção brasileira de álcool faz parte do Programa Nacional do Álcool, o Proálcool, criado para fazer frente a dificuldades na importação de petróleo numa época em que o Brasil era muito mais dependente de importações de petróleo do que é hoje. Foi um importante elemento da política energética do país.
Como resultado, ocorreram inúmeras conquistas da tecnologia brasileira no setor, como o tratamento do vinhoto, o aproveitamento energético do bagaço, a adaptação e o desenvolvimento de máquinas de colheita da cana crua, para citar alguns.
É importante também lembrar que, ainda que o custo técnico da gasolina (via petróleo importado) seja menor do que o da produção do álcool, existe uma diferença fundamental: o real pago pela gasolina importada é gasto para dar emprego e riqueza lá fora, enquanto o real pago pelo álcool fica aqui mesmo no Brasil, produzindo riqueza nacional.
Além do aspecto puramente político-estratégico, que certamente foi o que mais pesou na balança para implementar o Proálcool, estabeleceu-se paralelamente um importante aspecto ecológico do programa, que foi o de misturar o álcool à gasolina.
Lei específica a esse respeito determina a mistura de 22% de álcool à gasolina. Esse procedimento, que passa despercebido pelo consumidor, desempenhou um papel extremamente importante no sentido de menos poluir os nossos grandes centros urbanos.
Isso porque a gasolina aditivada ao álcool, em primeiro lugar, ficou livre do chumbo tetraetila, elemento metálico tóxico usado no Brasil durante muitos anos para aumentar a octanagem da combustão da gasolina "pura". Em segundo lugar, diminuiu em valores percentuais equivalentes a emissão do monóxido de carbono, igualmente tóxico.
Se a poluição dos grandes centros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, ainda é suportável, devemos isso à mistura do álcool à gasolina.
O monóxido de carbono, liberado no ar durante a combustão da gasolina dos veículos, é um bom exemplo para esta discussão. Trata-se de um gás tóxico, que afeta diretamente a capacidade de transporte de oxigênio no sangue.
Quando esse gás existe em excesso no ar, compete com o oxigênio na combinação com a hemoglobina do sangue. Assim, diminui a capacidade de oxigenação, o que pode resultar em diminuição dos reflexos e da acuidade visual da pessoa afetada. A adição de 22% de álcool na gasolina é a principal responsável, nos últimos anos, por menos monóxido de carbono no ar.
Com certeza, o ar mais limpo no centro de São Paulo, por exemplo, vale muito em termos de saúde, mas é difícil quantificá-lo. Por isso, ninguém parece dar-lhe a devida importância. Não tenho conhecimento de que alguém tenha calculado esse benefício, em reais, e o tenha descontado do preço do litro produzido de álcool, já que se trata de um benefício indireto.
O Proálcool traz, portanto, vantagens para a população, economizando internações hospitalares, exames médicos, inalações de oxigênio e faltas dos doentes nos seus empregos. Com o desaparecimento do Programa Nacional do Álcool, como prognosticou Lamartine Navarro Jr., em artigo nesta Folha ("Governo, petróleo e álcool", 22/11/96), esses benefícios também deixarão de existir. Há muito mais poluição à vista.

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