São Paulo, quarta-feira, 12 de fevereiro de 1997
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Salário mínimo

OCTAVIO BUENO MAGANO
"EX FACTO ORITUR JUS."

Se, como ensina a parêmia latina, acima reproduzida, o direito deve resultar dos fatos, então, não pode haver qualquer dúvida sobre a preferência que se há de dar à regionalização do salário mínimo, em detrimento da regra, atualmente em vigor, impondo salário mínimo nacionalmente unificado.
Essa questão vem à tona em virtude de controvertido projeto de lei, de autoria do senador Ney Suassuna.
O principal argumento dos que se opõem à regionalização do salário mínimo é o de que dela resultaria incentivo à migração de trabalhadores para as cidades mais ricas do país, agravando o problema de excesso populacional que as atormenta.
A esse argumento se responde com o de que, a partir da Lei Magna de 16.7.1934, a diretriz constitucional adotada foi sempre no sentido da regionalização (artigos 121 (b), em 34; 137 (h), em 37; 157, 1º, em 46; 158, 1º, em 67; e 165, 1º (69), critério só alterado com o advento da Constituição de 5.10.1988.
O enunciado, até então vigente, era o da existência de salário mínimo "capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as necessidades normais do trabalhador e de sua família". Só a partir de 1988 -repita-se- passou a prevalecer, em nível constitucional, a exigência de "salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado."
É verdade que, durante o governo autoritário de João Figueiredo e ao arrepio da Constituição, editou-se o decreto nº 89.589, de 26.4.1984, fixando um único salário mínimo para todo o território nacional. Mas não é menos certo que, a despeito da referida unificação, admitiram-se percentuais díspares, para efeito dos descontos de utilidades, de tal forma que, enquanto a alimentação correspondia a 56% em Alagoas, em São Paulo ficava no nível de 43% apenas.
A vigência por cerca de 50 anos de salário mínimo regionalizado não foi, certamente, o principal fator determinante de correntes migratórias de uma para outras regiões do país, e sim a natural atração dos grandes centros urbanos, em contraste com a pacatez das zonas rurais e das pequenas cidades. Em outras palavras, o que se quer dizer é que o salário mínimo regionalizado não provocou graves inconveniências para o país.
Já o salário mínimo nacionalmente unificado se mostra claramente nocivo, porque implica tratamento igual para situações acentuadamente diversificadas, o que, na verdade, contraria a regra da igualdade, que, segundo Rui Barbosa, "não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que desigualam."
"Nesta desigualdade social", continua o autor citado, "proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." ("Elogios Acadêmicos e Orações de Paraninfo", ed. da Revista de Língua Portuguesa, 1924, pág. 359).
A experiência tem demonstrado que os órgãos públicos e as unidades econômicas de pequenos centros urbanos se vêem em palpos de aranha para satisfazer a exigência de salário mínimo nacionalmente unificado. E, não podendo fazê-lo, abrem então espaço ou para o corte de pessoal, gerador de desemprego, ou para o mercado clandestino de trabalho, práticas que precisam ser descontinuadas.
Outra questão, quiçá de maior importância, é a da criação de duas categorias de mínimos, uma para aposentados, funcionários públicos e pessoal doméstico, outra para trabalhadores de empresas privadas.
A medida se justifica porque os aposentados possuem a garantia do reajustamento de benefícios para manutenção do valor real respectivo, sendo certo que, no setor público, gozam do privilégio da atualização de proventos, toda vez que se alterem os vencimentos do pessoal da ativa, em virtude de reclassificações ou advento de novo nível de salário mínimo. A conseqüência é a de exacerbação das despesas da Previdência, geradora de "déficits", desastrosos para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do país.
Quanto aos domésticos, é natural que tenham salário mínimo inferior ao dos trabalhadores do setor privado da economia, porque, via de regra, são beneficiários de habitação e alimentação, utilidades que compensam o valor eventualmente menor recebido em pecúnia.

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