São Paulo, quarta-feira, 12 de fevereiro de 1997
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Quero que meu telefone volte a constar da lista

BILL GATES

Antecipo com prazer o dia em que poderei incluir meu número de telefone residencial na lista telefônica outra vez.
Até poucos anos atrás, meu número de telefone estava na lista. Eu não me importava em receber uma ou outra ligação de pessoas que não conhecia.
Mas, à medida que minha empresa cresceu, os telefonemas foram aumentando, virando uma intromissão muito grande na minha vida. Passei a usar um número que não consta da lista.
Hoje, recebo bem menos chamadas. Quando o telefone toca, muitas vezes é engano.
A maioria das pessoas é inundada por comunicações indesejadas. Vendedores nos ligam na hora do almoço. Nossas caixas de correio vivem cheias de "junk mail", aquela correspondência comercial que vai para o lixo. As mensagens indesejáveis via fax e e-mail se acumulam.
Se você parar para pensar, não é ridículo que qualquer pessoa que tenha seu número, mesmo que seja o número errado, possa acordá-lo no meio da noite?
Proteção
Para protegerem-se contra a invasão, algumas pessoas analisam as ligações que recebem, uma a uma, por meio de secretárias eletrônicas ou dos chamados serviços "Caller I.D.".
Esses serviços identificam o número de telefone e, às vezes, o nome de quem está ligando -a não ser que a pessoa utilize outro serviço providenciado por companhias telefônicas, que bloqueia a transmissão desses dados.
Outras pessoas chegam ao extremo de tirar seus telefones da tomada à noite. É cansativo e muito chato.
Talvez a defesa mais simples seja manter seu número de telefone fora da lista telefônica e passá-lo para poucas pessoas.
Nos Estados Unidos, quase um em cada quatro telefones residenciais não consta das listas. Em algumas cidades grandes, especialmente na Califórnia, onde se paga pouco para ter um telefone fora da lista, mais de dois terços dos proprietários de telefones ocultam seus nomes e números.
Algumas pessoas que têm telefones celulares também escondem seus números.
Para manter um número fora da lista, utiliza-se um mecanismo bastante grosseiro e paga-se o preço de algumas desvantagens.
Se um amigo perder meu número, não terá como encontrá-lo na lista. Se houver uma emergência, as pessoas terão dificuldade em me localizar.
Felizmente, a tecnologia futura vai permitir que eu -ou você, ou qualquer outra pessoa- faça uma filtragem eficiente das ligações.
Porteiro
Poderemos ser tão acessíveis ou reclusos quanto quisermos, porque nossos telefones e outros aparelhos de comunicação vão funcionar como porteiros, deixando a nosso critério decidir que mensagens poderão chegar a nós e em que horários.
Sua boa vontade em se deixar interromper varia de hora para hora, de dia e à noite. A mesma coisa se aplica à lista de pessoas que você se dispõe a ouvir. Quantas pessoas você vai querer deixar que lhe telefonem tarde da noite? Poucas.
Os sistemas de comunicação do futuro vão deixar você decidir quem pode ligar para você de manhã, quem poderá ligar na hora do jantar, e quem poderá falar com você à meia-noite. É você quem vai estabelecer as regras.
Você decidirá que determinado vendedor só poderá fazer uma ligação de retorno, ou que só poderá ligar entre tal e tal hora, ou que certas pessoas poderão deixar mensagens de correio eletrônico ou na secretária eletrônica, e outras não.
Você terá uma caixa receptora eletrônica unificada, que vai receber e administrar as mensagens de voz, e-mail e até de vídeo.
Esse é um exemplo de como a integração do PC com o lar vai simplificar a vida das pessoas.
Quem se sente à vontade com o computador vai poder especificar sofisticadas normas de filtragem de suas mensagens, sem dificuldade nenhuma.
Mas qualquer pessoa poderá ditar normas simples, tipo "depois da meia-noite só recebo chamadas de emergência" ou "receber a ligação de pessoas que estejam retornando um telefonema meu".
Alguns aplicativos de software para correio eletrônico já permitem aos usuários ditar normas sobre o manuseio das mensagens. Você pode estipular que as mensagens de seu chefe apareçam em sua tela imediatamente.
Qualquer mensagem da qual você não seja o destinatário principal pode ser colocada no fundo da caixa receptora de mensagens. A correspondência eletrônica de determinadas pessoas pode ter prioridade em relação às mensagens recebidas de estranhos.
Mas, o que fazer se alguém realmente quer que você receba uma mensagem imediatamente? O que fazer se a pessoa não consta de sua lista de remetentes aprovados ou se você não deu a ela um certificado eletrônico -um código especial- de passagem, mas ela precisa realmente fazer com que seu telefone toque?
É aqui que vai entrar um pouco de capitalismo. Você poderá estipular um preço que cobrará de pessoas desconhecidas que quiserem contatá-lo.
Pode estipular, por exemplo, que qualquer pessoa terá permissão para fazer seu telefone tocar durante o dia, pagando US$ 1, mas que após as 17h isso lhe custará US$ 6, e depois da meia-noite, US$ 25.
Ou que depois do horário em que você costuma ir dormir ninguém poderá lhe telefonar a qualquer preço, exceto alguns amigos e órgãos como a polícia.
Você provavelmente cobrará menos para autorizar as pessoas a enviar mensagens de voz ou correio eletrônico, ou talvez não cobre nada.
O importante é que quem estará no comando será você, não as pessoas que lhe telefonam ou escrevem.
Se um vendedor quiser contatá-lo, e você estipulou um preço por esse privilégio, ele terá de decidir se o telefonema vai valer o que custa.
De um ponto de vista prático, isso significa que parte do dinheiro de publicidade que hoje é gasto por pessoas que tentam nos alcançar via correio passará a ser gasto em tentativas de chamar sua atenção, dirigidas diretamente a você.
Abatimentos
É claro que, se você ficar contente em ter recebido a ligação, poderá optar por não cobrá-la da pessoa que ligou.
Se um estranho telefonar para alertá-lo para uma emergência, você poderá cancelar a cobrança simplesmente pressionando uma tecla.
Do mesmo modo, você não aceitará o dinheiro que um velho colega se dispôs a gastar para falar com você.
Por outro lado, se um vendedor insistente ligar para você pela terceira vez, você cobrará dele pelo inconveniente que está causando ou então bloqueará todas as ligações futuras.
Um dos benefícios desse sofisticado sistema de identificação e seleção será que a maioria das pessoas não precisará trocar de número de telefone para evitar chamadas indesejáveis.
Eu sou obrigado a trocar meu número de telefone residencial de quando em quando, toda vez que alguém com quem eu não quero falar consegue meu telefone.
O estorvo é tão grande que me faz pensar duas vezes antes de trocar o número.
Um colega está trocando de telefone residencial porque seu número é semelhante ao do fax de uma empresa vizinha.
Pelo menos uma vez por mês meu colega recebe telefonemas no meio da noite. Quando atende, só ouve o ruído lancinante de um aparelho de fax tentando se conectar com outro.
Os aparelhos de fax são mudos e persistentes. Normalmente continuam telefonando até conseguirem fazer a conexão com outro aparelho de fax.
Assim, meu amigo é obrigado a tirar o telefone do gancho, para não passar a noite toda ouvindo o telefone tocar. Em certo sentido, ele deixou de ter controle sobre o seu telefone.
As pessoas que recebem "junk mail" demais pelo correio eletrônico enfrentam situação semelhante, a não ser que tenham alguma maneira de selecionar as mensagens.
Os sistemas modernos de comunicações só vão funcionar adequadamente quando permitirem que você controle seu tempo e as interrupções que decide aceitar.
Quando esse dia chegar, ficarei muito feliz em voltar a incluir meu número residencial na lista telefônica.

Tradução de Clara Allain

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644.
E-mail: askbill@microsoft.com

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