São Paulo, sábado, 22 de fevereiro de 1997
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Vigna atinge à mentira por meio da verdade

MARIANE MORISAWA
DA REDAÇÃO

Vigna atinge a mentira por meio da verdade
A escritora carioca Elvira Vigna, 49, está lançando sua terceira novela, "O Assassinato de Bebê Martê".
Autora de dez livros infantis -ganhou o Prêmio Jabuti, em 1981, com "Lã de Umbigo"-, Vigna passou a escrever ficção para adultos em meados da década de 80. Publicou "Sete Anos e um Dia", sobre os anos da abertura política brasileira, e "A Um Passo de Eldorado" -segundo ela, sua obra predileta-, sobre a situação latino-americana.
Vigna divide seu tempo entre o jornalismo -que lhe dá seu "sustento", segundo diz-, as artes gráficas -ilustra livros infantis, projeta capas, faz exposições- e a literatura.
A escritora afirma que, para fazer literatura, é preciso sinceridade. "Você tem que ser terrivelmente sincera. E é incrível, mas, se você atinge a verdade, você está fazendo a ficção, que é a mentira."
Leia a seguir trechos da entrevista concedida, por telefone, do Rio de Janeiro.
*
Folha - Onde a sra. busca as histórias de seus livros?
Elvira Vigna - Varia. "O Assassinato de Bebê Martê" é o assassinato do meu avô, que morava em Jaú. É claro que não foi um assassinato, tive que dar uma mãozinha. Mas varia muito. Às vezes até andando na rua você vê uma cena que não sabe bem por que fica na sua cabeça. E fica. Não vai embora. Aí você tem que fazer alguma coisa a respeito.
Folha - Então há elementos vividos pela sra. em seu livro?
Vigna - Não é nada de autobiográfico. Às vezes, é um riso. No exemplo do meu avô, ficaram os cabelos brancos, que ele mantinha grandes, lugares, às vezes casos que te contam. É muito tênue, pelo menos para mim.
Folha - Os personagens de "O Assassinato de Bebê Martê" têm, no fundo, algo a esconder, uma ponta de maldade. A sra. acha que as pessoas são más?
Vigna - Não, se você for ver, todos os meus livros giram em torno desse tema, a mentira e a verdade, o espelho. Se eu tivesse que dizer um traço em comum seria esse.
Folha - E como a sra. descreveria as personagens Lúcia e a narradora?
Vigna - São pessoas comuns, que você encontra na rua. Isso também me fascina um pouco. É sua vizinha, é minha tia, sou eu - claro-, são amigas, são pessoas muito comuns que podem ser levadas a fazer um gesto como esse, de assassinato.
Folha - Como foi deixar de escrever para crianças e começar a escrever para adultos?
Vigna - Foi uma coisa incrível, porque ninguém esperava, nem eu. Acho que tem a ver com meus filhos, principalmente minha filha, quando ela cresceu. Não tem muita explicação não. Eu poderia, claro, ter continuado, pois você vai adquirindo uma técnica. Mas não estava mais na minha paixão. Então eu parei, simplesmente.
Folha - Mas você ainda se divide entre a literatura e as artes gráficas.
Vigna - Sim. Esses dois instrumentos, a palavra e a imagem, têm uma dialética de complemento dentro de mim.
Folha - Você começou a escrever cedo?
Vigna - Ah, sim. Para você ter uma idéia, meu primeiro emprego em jornalismo foi no jornal "Correio da Manhã", e eu tinha 17 anos. Naquela época eu já ilustrava também profissionalmente. Quer dizer, não tem nada de hobby aí não. Fico inclusive meio chateada quando alguém acha que uma atividade é profissão e a outra é hobby -não, é tudo profissão.
Folha - Como você concilia suas diversas atividades no dia-a-dia?
Vigna - Quando o texto te pega, você tem que obedecer. Tem que sentar e fazer, sozinha. E aí tem uma hora que você esgota aquele movimento. Nesse momento, entra a imagem, que é uma coisa lúdica, colorida. Eu uso uma tinta brincalhona, usada nos automóveis, agressivíssima, de cores determinadas. E o jornalismo é uma maneira de ganhar dinheiro, indolor. É uma coisa de que eu gosto.
Folha - Você já está trabalhando em algum outro livro?
Vigna - Tenho uma cena: uma sala onde três mulheres estão tomando café: uma mãe e duas filhas. Talvez tenha uma neta. Mas eu não sei direito. E elas mentem, mais uma vez. Elas tomam café educadamente, têm um papo coloquial e há uma mentira.

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