São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 1997
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Lições para a Previdência

CELSO PINTO

Um sistema de Previdência como o do Chile, onde cada trabalhador poupa sua própria aposentadoria, costuma ser aclamado por seus dois principais méritos. Por definição, ele não quebra, já que reparte o que existe, e embute um poderoso estímulo à poupança firme e de longo prazo, o que ajuda o crescimento sustentado.
Isso é verdade, mas o ex-ministro do Trabalho e da Previdência do Chile (90-94), Rene Cortazar, chamou a atenção ontem, num debate organizado pela Bolsa de Valores de São Paulo, para um aspecto menos comentado, que ele chamou de "economia política" do novo sistema.
Cortazar contou uma história. Logo depois de tomar posse como ministro, foi procurado por um grupo de trabalhadores da indústria de cobre, que estão entre os melhor remunerados do país. Eles queriam o apoio de Cortazar para reduzir em cinco anos a idade mínima de sua aposentadoria.
Dentro do velho sistema de Previdência, que é o sistema utilizado no Brasil, para atender à reivindicação bastaria ao governo saber o impacto do gasto adicional, que seria uma fração do gasto anual do governo na Previdência, e baixar um decreto. Não por acaso, havia mais de 100 tipos diferentes de aposentadoria, nascidos da força política de cada grupo.
No novo sistema, onde há apenas um tipo, criar privilégios é muito mais complicado. Como cada trabalhador tem uma conta individual de sua contribuição à Previdência, para permitir a redução de cinco anos na idade de aposentadoria, o governo teria que tomar duas providências. Calcular quanto a massa de poupança de cada um teria que crescer para permitir menos cinco anos de contribuição e colocar todo esse dinheiro na conta de cada um.
Ou seja, o tamanho do subsídio orçamentário seria maior e teria de ser explicitado caso a caso. Moral da história: nunca mais os trabalhadores de cobre voltaram a levantar o assunto com Cortazar.
Outro aspecto da "economia política" do sistema chileno é a forma como se resolvem os impasses. O problema de um sistema como o brasileiro, no qual os mais jovens pagam pelos mais velhos, é que a população envelhece, menos gente contribui e mais gente usufrui, mas os benefícios continuam os mesmos. Ou até aumentam, já que a noção de custo adicional se mede mais pelo impacto imediato sobre o caixa federal do que sobre o desequilíbrio de longo prazo.
O economista Thomas Sargent, da Universidade de Chicago, deu um exemplo sobre os efeitos desse descaso. A dívida do governo americano em títulos, que normalmente gera tanto debate, equivale a 60% do PIB americano. Se for calculado o valor do déficit implícito no sistema previdenciário americano e o seu valor presente (o custo se ele tivesse que ser pago hoje), ele equivale a nada menos do que 2,7 vezes o tamanho do PIB.
Quando se caminha para um colapso, como é o caso dos Estados Unidos, do Brasil e da maioria dos países desenvolvidos, existem três soluções possíveis: aumentar a idade da aposentadoria, elevar a contribuição e reduzir o valor do benefício. Como nenhuma das três alternativas é palatável politicamente, o que acaba acontecendo, muitas vezes, é que o governo absorve o custo adicional, aumentando seu déficit e reduzindo a poupança da economia.
No sistema chileno, não há questão política. Se mudou a expectativa de vida e não o sistema, o benefício será ajustado.
E o Brasil? Não está sequer na agenda uma mudança do sistema brasileiro para algo parecido com o Chile. A reforma previdenciária que está no Congresso resume-se a cortar alguns benefícios e privilégios exagerados, com um impacto apenas marginal.
José Roberto Mendonça de Barros, secretário de Política Econômica da Fazenda, acha que, a longo prazo, caminha-se para um sistema que deixará de ser universal, oferecerá baixa cobertura e usará a previdência privada como complementar. Soa como um programa de governo para o segundo mandato de FHC.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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