São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 1997
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A César o que não é de César

ARLINDO CHINAGLIA

Em 11/4/95 denunciamos que a empresa Esca, escolhida sem licitação para ser a empresa gerenciadora do projeto Sivam, havia fraudado a Previdência Social em mais de R$ 7 milhões, razão pela qual não poderia firmar contrato com o poder público.
Essa denúncia levou ao afastamento da empresa Esca do projeto Sivam e deu ensejo a uma série de investigações por parte da Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, atendendo a vários requerimentos por nós formulados.
Tais investigações extrapolam as fraudes da Esca com o INSS, recaindo sobre o projeto Sivam como um todo, haja vista que o seu custo inicial é de US$ 1,5 bilhão de dólares e que as empresas selecionadas para a sua implantação foram escolhidas sem o devido processo de licitação, sob a pressão do presidente norte-americano e a submissão do governo brasileiro.
Para completar, foi dada à Esca a gerência do Comissão de Coordenação do Sivam, que escolheu, posteriormente, a empresa Raytheon como a fornecedora dos equipamentos para o projeto.
Propusemos ação popular contra a União, os ministros e as empresas envolvidas, pois foi a Esca quem escolheu a empresa Raytheon para ser a fornecedora dos equipamentos do Sivam, e essa contratação, também feita sem licitação, não poderia prosperar.
Obtivemos da primeira instância a medida liminar suspensiva do contrato, em junho de 1995. A União recorreu dessa decisão, e a liminar foi suspensa, mas ainda pende recurso no STF.
A ação prosseguiu seu regular andamento, e veio para os autos uma série de documentos por nós requeridos. Merece absoluto destaque um contrato firmado entre as empresas Esca, Raytheon e Líder Táxi Aéreo, datado de 8/7/92 -oficialmente, as empresas só foram escolhidas em dezembro de 1993 (Esca) e julho de 1994 (Raytheon)-, no qual elas pactuam, sob cláusula de sigilo, trabalharem conjuntamente na elaboração do projeto Sivam, "a fim de fazer o projeto técnica e financeiramente viável ao governo do Brasil (o 'cliente') e obter o contrato do projeto do cliente."
Portanto, há uma prova material, que era do conhecimento do Ministério da Aeronáutica, de que as empresas Esca, Raytheon e Líder Táxi Aéreo trabalhavam na confecção do projeto para a sua posterior escolha e implementação. Dessa forma, ficou comprovado que o projeto Sivam era uma iniciativa das empresas que ganharam a "concorrência" e não um projeto elaborado para atender aos interesses do país.
E a relação promíscua entre essas empresas e o governo brasileiro ficou mais uma vez demonstrado com a divulgação, pela revista "IstoÉ", das gravações realizadas pela Polícia Federal nas conversas telefônicas do então chefe do cerimonial do Palácio do Planalto, embaixador Júlio César.
Os referidos diálogos mostraram que FHC estava indignado com a demora do Congresso em aprovar o empréstimo internacional para iniciar o projeto Sivam. As denúncias levaram à queda do ministro da Aeronáutica.
O interlocutor do embaixador nos diálogos era o presidente da Líder Táxi Aéreo, José Afonso Assumpção, representante da Raytheon no Brasil, e uma das empresas que firmaram o pacto em julho de 1992 para elaborar e vender o projeto Sivam.
Na época, colhemos assinaturas para a abertura de uma CPI mista da Câmara e do Senado. Todavia, no Senado, sob pressão de FHC, não conseguimos obter as 27 assinaturas necessárias. Para despistar, o governo criou a chamada supercomissão, que foi uma farsa, por não ter poderes investigatórios.
O resultado foi que, após declarar que o Sivam estava morto, o senador Antonio Carlos Magalhães legitimou e aprovou novo empréstimo para o Sivam. Em contrapartida, o Banco Econômico foi reaberto com bilhões do Proer.
Após esses fatos, decidimos colher novamente assinaturas de mais 171 deputados e protocolamos o pedido de CPI apenas na Câmara. O pedido está na fila das CPIs e, se depender da maioria governista, vai morrer na fila!
Na época do escândalo, o embaixador chorou ao depor na Câmara, e o governo retirou sua indicação para a embaixada do México. Agora, baixada a poeira, o pivô da intermediação de interesses entre a empresa Raytheon e o Planalto foi indicado para cargo ainda mais importante.
Ou seja, naquela época ele não era idôneo para a embaixada no México; agora o é para ser embaixador na FAO?!
Essa atitude do presidente FHC é um desrespeito e uma afronta aos valores éticos e morais da população brasileira. É o coroamento de um processo fraudulento, mistificador, em que se buscou enganar a opinião pública. É a desfaçatez do poder que aposta na falta de memória das pessoas e que silencia as instituições vitais para a democracia.

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