São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 1997
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Porque os juízes se mobilizam

PEDRO CARLOS SAMPAIO GARCIA

Muitos se surpreenderam. Os juízes estão se mobilizando para reivindicar aumento salarial e discutir as reformas do Estado. Alguns até se indignaram: "Esse bando de privilegiados corporativistas só quer saber dos seus polpudos salários e não está nem um pouco preocupado com a crise do Poder Judiciário e do Estado brasileiro."
Vamos esclarecer os fatos e acabar com essa imagem distorcida que se faz do juiz e da própria Justiça brasileira. Não somos um bando de privilegiados. Não recebemos polpudos salários. Os juízes federais estão com seus vencimentos congelados há 25 meses, sem qualquer reajuste, o que causou uma grave redução do valor real de sua remuneração.
O juiz, como todo cidadão, tem que pagar prestações, aluguel, água, luz, telefone, gasolina, escola das crianças etc. Para dar conta desses gastos, que aumentam continuamente, o juiz federal de primeira instância recebe, em média, vencimentos de R$ 3.500 a R$ 4.500 líquidos por mês. Nos Tribunais Regionais, recebe-se de R$ 5.500 a R$ 6.500 líquidos mensais.
Não recebemos nenhum outro benefício. Não temos verba de gabinete, auxílio-moradia e convocações extras, como os parlamentares. Não recebemos casa e comida de graça, como ministros e chefes do Executivo. Temos impedimentos que nenhum outro civil tem, pois não podemos exercer outra atividade econômica além de dar aula em um único estabelecimento de ensino. Vivemos exclusivamente de nossos vencimentos, para nos dedicarmos à nossa atividade.
Acrescente-se que os vencimentos dos juízes estão absolutamente defasados com o que se paga para a atividade jurídica, seja no setor público, seja no privado. Na iniciativa privada, um advogado com alguma experiência e com uma carteira média de clientes não se dispõe a largar sua atividade e participar de um concurso para a magistratura. É esta a principal razão de o quadro de juízes estar permanentemente incompleto.
Além dos baixos vencimentos, o Judiciário passa por outros problemas sérios. Ao contrário do que irresponsavelmente setores do Poder Executivo insistem em afirmar, o Judiciário é, dos três poderes da República, o que menos conta com recursos adequados ao desempenho de suas funções.
O Judiciário federal participa com menos de 1% no Orçamento de 97. Essa pequena porcentagem é inferior ao que recebem muitos ministérios, repartições e autarquias do Executivo.
As consequências da falta de verba são nefastas. Em regra, especialmente na primeira instância, as instalações são precárias, inadequadas tanto para a realização do trabalho por parte de juízes e servidores como para o atendimento ao público.
Prédios da Justiça já foram interditados por falta de segurança, obrigando a paralisação de processos até se conseguir improvisar um novo local. Não existe material de trabalho. Não há arquivos suficientes, ficando os processos empilhados nos corredores. Se existissem, também não haveria lugar para serem colocados. A informática apenas agora começa a chegar ao Poder Judiciário.
A tudo isso se soma a quantidade absurda de processos que chega diariamente ao Poder Judiciário, para o que contribui enormemente o Poder Executivo, que parece achar que a lei não vale para ele.
Essa quantidade já seria exagerada e de difícil administração se o quadro de juízes e servidores fosse completo, e se a estrutura material do Poder Judiciário fosse adequada. Com o quadro quase pela metade e a estrutura deficiente, o resultado é o caos. Processos parados, atendimento deficiente, juízes esgotados, funcionários desanimados, advogados insatisfeitos, partes revoltadas.
Essa situação não pode continuar assim. Trabalhamos de forma insana, em péssimas condições, ganhando pouco e sendo chamados a toda hora de privilegiados, de marajás. Não dá mais. A paciência se esgotou.
É preciso urgentemente dar condições dignas ao juiz e ao servidor do Judiciário. E a responsabilidade por medidas nesse sentido é da direção do Judiciário e dos agentes responsáveis do Executivo e do Legislativo. Se pretendemos ter uma boa Justiça, é preciso lhe oferecer o mínimo de condições.
São essas algumas das principais razões que levam os juízes a promoverem, amanhã, o Dia Nacional de Mobilização da Magistratura em Defesa da Cidadania e da Justiça. Não somos contra reformas. Ao contrário, por tudo o que passamos, somos os primeiros a desejá-las. Apoiamos muitas das propostas encaminhadas nas reformas do Judiciário, administrativa e previdenciária. Mas também criticamos outros aspectos dessas reformas, com argumentos sérios. É necessário e urgente melhorar o Poder Judiciário. Pois, do contrário, repetimos sempre, é melhor acabar com ele e pôr alguma outra coisa em seu lugar.

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