São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 1997
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Prefeitura desaloja vizinhos favelados

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os moradores da favela do Glicério, a 500 metros do Palácio das Indústrias, sede da Prefeitura de São Paulo, pularam da cama cedo, ontem. Foram desalojados numa operação que contou com 36 caminhões da prefeitura, 110 guardas da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e 200 garis das administrações regionais.
Conhecida como favela do Esqueleto, devido à estrutura de concreto de um prédio abandonado, o local abrigava mais de cem famílias, levadas para abrigos em favelas de Itaquera e Vila Guilherme.
Segundo Eduardo Anastasi, assessor de imprensa da Secretaria da Habitação, a remoção está dentro da revitalização do centro.
Os moradores cujos barracos ficavam próximos às ruas que cercam a favela foram os primeiros a partir. Muitos sacos com pertences e comida amontoavam-se do lado de fora dos barracos. Os garis enchiam cada caminhão com a mudança de duas a até três famílias.
O cenário lembrava o de um terremoto. Ratos e gatos mortos apodreciam no chão. Crianças choravam. Havia, em cada morador, o olhar perdido de um cidadão sem alternativas, a não ser obedecer.
Os caminhões seguiram em comboio escoltado pela GCM, enquanto os familiares iam de ônibus. Segundo a assessoria de imprensa da secretaria, eles receberão alimentos e serão cadastrados para o projeto Cingapura.
"A intenção da prefeitura é limpar o terreno ainda hoje. Ele servirá de estacionamento para a Guarda Metropolitana. Evitamos, assim, que os moradores voltem."
Às 15h30, todos os moradores já haviam sido removidos, e um trator fazia a limpeza da área.
Cingapura, onde fica?
A reportagem esteve no local dois dias antes da operação. Constatou que, de fato, os moradores sabiam que iam ser desalojados, mas não receberam comunicado oficial por escrito.
O único grupo que afirmou que ia resistir fumava "crack" dentro de um barraco. No dia da operação, não estava no local.
"Cingapura?! Onde fica isso?", perguntou Maria do Socorro, ao ser informada que poderia morar num apartamento do projeto símbolo da última administração.
"A gente vai morrer com os ratos e baratas se não sair daqui", disse Socorro, mostrando marcas de "mordida de gabiru".
"Não queríamos sair, mas fazer o quê?", lamentou Rosângela Maria, limpando a mobília para a mudança. Ela e o marido, Gérson do Araújo, moravam havia um ano na favela. Vieram do Maranhão, onde "não chove".
"É lógico que é melhor viver aqui em favela que no Maranhão. O que consegui aqui em dois anos não consegui lá. Tenho duas poupanças", diz Araújo.
"Fazer um barraco é fácil. Começa com o piso. O meu é de madeira e carpete. Foi o pessoal que trabalha ao lado que deu os caixotes para fazer as paredes. O problema é que não tem banheiro. Fazemos as necessidades aí na calçada", completou Araújo.
A favela não tem associação de moradores nem liderança. "Cada um é cada um", disse Eduardo Silva Freitas, desempregado.
Boa parte dos moradores vive de bicos. Mais de dez famílias dependem do lixo da vizinhança, inclusive do fórum, cujo papel é vendido.
Moradores reclamaram que filhos e netos estão já matriculados em escolas próximas. "Não sei se lá vai ter escola para minhas netas", disse Maria José, 68.
"Deram um prazo muito pequeno. Vieram ontem (segunda-feira) para nos tirar na quinta-feira. É o Pitta e a operação limpeza. Isso aqui não é nosso, mas foi um dia", disse Francisco José.

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