São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 1997
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Infecção hospitalar atinge 700 mil por ano

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

A infecção hospitalar no Brasil atinge por ano mais de 700 mil pacientes, está associada a cerca de 100 mil mortes e custa R$ 500 milhões ao ano, só em antibióticos.
Apenas 20% dos cerca de 6 mil hospitais do país mantêm programas adequados de controle desse tipo de infecção.
O quadro, acreditava-se, não poderia ficar pior. Mas ficou: no dia 6 de janeiro, o presidente da República sancionou a lei 9431. Em lugar de detalhar procedimentos, definir equipes, estabelecer fiscalização e atribuir responsabilidades, a lei diz apenas que os hospitais precisam manter programas de controle de infecção hospitalar.
"Todos os artigos complementares foram vetados sem que o presidente consultasse as sociedades médicas e os órgãos técnicos", diz Carlos Ernesto Ferreira Starling, epidemiologista e consultor para assuntos de infecção hospitalar do Ministério da Saúde e da Organização Panamericana da Saúde.
"Quando esperávamos um avanço no controle da infecção, o governo vem e acaba com o mínimo que existia", diz Edwal Campos Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Controle da Infecção Hospitalar, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo e consultor da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Nas próximas semanas, a associação quer divulgar um manifesto conjunto com todas as entidades estaduais criticando a atitude do governo e pedindo uma nova legislação sobre o tema.
"O que houve significa um retrocesso", diz Rodrigues. "O país ficou sem leis no âmbito da infecção hospitalar."
Legislação modelo
"Ironicamente -diz Carlos Starling-, o Brasil tinha uma legislação considerada modelo para a América Latina." A portaria ministerial 930, em vigor desde 1992, estabelecia uma comissão de controle da infecção hospitalar com uma enfermeira especializada e quatro horas/médico, por dia, para cada 200 leitos.
"Estabelecia também indicadores para diferentes procedimentos, criava um serviço de controle e um sistema de vigilância ativo", diz Starling. O sistema deveria detectar um possível surto de infecção antes que ele se manifestasse.
Segundo o médico, esse detalhamento constava nos artigos da lei 9431, todos vetados pelo presidente. "O projeto de lei tramitou no Congresso de 1992 até o início deste ano. Estranhamente, foi sancionado às pressas pelo presidente às vésperas da votação da reeleição."
O controle da infecção hospitalar foi um dos temas tratados no congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical que aconteceu esta semana em Belo Horizonte.
Entidades e especialistas disseram que a atitude do governo pode ter sido resultado da pressão de grupos. "Uma legislação rigorosa não interessa aos hospitais", diz Starling.
"Uma lei que definisse responsabilidades favoreceria o consumidor e permitiria que os hospitais fossem acionados na Justiça."
Por trás da atual legislação -diz João Carlos Pinto Dias, que presidiu o congresso em Minas-, "há interesses em manter as pessoas por mais tempo nos hospitais".
Carlos Starling disse que o presidente da República vetou os artigos com base em parecer dos ministérios da Saúde, do Exército e da Marinhas "Os dois últimos ministérios nada têm a ver com infecção hospitalar. Os argumentos para os cortes não se sustentam. Uma das justificativas é a de que o poder público não poderia fiscalizar hospitais públicos."

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