São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Jambu, a erva que anestesia a ponta da língua

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Peço a todos que tenham alguma coisa a divulgar sobre comida brasileira ou comida no Brasil que nos informe. Vale tudo! Tese de mestrado, pequenas pesquisas, modos e maneiras, o cru e o cozido... e até receitas.
Há tão pouca coisa publicada sobre o assunto e vendida em livrarias! Torna-se quase impossível para os interessados, mas ocupados com algum outro afazer, descobrir o que é que a baiana tem.
Olhem um exemplo. Há uns 30 anos conheci a erva chamada jambu num pato ao tucupi feito por um amigo. Anestesiava a ponta da língua e era gostosa. De lá para cá, passei perguntando a todos que pudessem me esclarecer o que era o jambu e por que só crescia no Norte. Estreitei amizade com ele nas panelas de Manaus, mas nada de informação sobre sua identidade.
Quando me matriculei no Boa Mesa 96 vi que Paulo Martins, proprietário de um restaurante em Belém, ia dar uma aula de picadinho de tambaqui com arroz de jambu e farofa de farinha d'água. E se o jambu só existia na terra dele, era a minha hora de conhecê-lo aqui.
Fiz papelão. Fui para os bastidores, peguei restos de jambu, corri para casa, mergulhei os talos em hormônios de crescimento e plantei em vaso.
Pegou, com infinitos cuidados, pois não havia jardineiro ou curioso de passagem que não quisesse arrancar a planta, que desce do vaso e vai se alastrando pelo chão. E além de tudo é alvo de toda a praga que existe. Imaginem! Se anestesia a nossa língua, qual não deve ser o barato que deve dar num pulgão qualquer...
Eu tinha orgulho de meu jambu.
No outro dia resolvi ir ao supermercado a pé, ensinando o caminho para uma empregada nova vinda do povoado de Posses, Minas Gerais.
O bairro está cheio de casas à venda e os canteiros das ruas, descuidados, com grama crescida e ervas daninhas. De olho baixo para não tropeçar nos buracos, fui ficando meio cabreira: "Menina, olha esta plantinha aí... Não é parecida com aquela que tem lá em casa?"
A menina é angelical, tem cachos, olhos verdes, e, quando abre a boca, fala muito alto e é fanhosa. "Nhée! Num nhé nhaquela que dá na beira do rio? Parece..."
Provei. Anestesiava a ponta da língua, tinha florezinhas amarelas e cobria em tapete raso todo o Alto de Pinheiros.
Arranquei mudas, trouxe para casa, comparei folhas. Era o tal do jambu.
Fui procurar num único livrinho que tenho sobre o assunto e que adoro. "Ervas Comestíveis", de Cida Zurlo e Mitzi Brandão, publicação da Globo Rural. É uma seleção de ervas consideradas daninhas pelo povo, que têm valor alimentício e podem ser plantadas.
Pois não é que o jambu do Belém do Pará estava lá, mencionado com todos os efes e erres?
Spilanthes sp: família Compositae. 1-Spilanthes oleraceae Jacq e Spilanthes acmella L; outros nomes: agrião, agrião-do-brasil, agrião-do-mato, agriãozinho, erva-de-málaca, jambu, jambu-ranu, pimenta d'água, pimenta-do-pará, pimenteira.
Descrição: "Os jambus são plantas invasoras, de pequeno porte, com muitos ramos e folhas opostas pecioladas, de bordos denteados...".
E vocês acreditam que a planta é, possivelmente, de origem européia? Eu não acredito. Pelo mato que é, foi pisada pelo tacão de Cabral já nas areias de Porto Seguro.
Mas, convenham comigo, é ou não é um parto descobrir uma erva chamada jambu, que mora debaixo do nosso nariz?

E-mail ninahort@sanet.com.br

Texto Anterior: Arrogância típica do Mareolo não é novidade
Próximo Texto: Revista "Wine Spectator" leva vinhos à rede de computadores
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.