São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 1997
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'As Prostitutas' retoma humanismo de Pasolini

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1989, o italiano Aurelio Grimaldi publicou o livro de contos "Le Buttane" ("As Prostitutas"). Em 94, transformou essas histórias no longa-metragem homônimo, que só agora chega ao Brasil.
Talvez decorra dessa origem o caráter episódico do filme. São histórias paralelas de diversas prostitutas (e um prostituto) que vivem numa região deteriorada de Palermo, na Sicília.
Tudo é filmado num belo preto-e-branco, granulado nos planos gerais, ultranítido nos closes. Há um certo constraste entre a secura com que são apresentadas as cenas da vida dos personagens e a beleza das imagens.
Para quem já conhecia o trabalho de Grimaldi como roteirista dos filmes de Marco Risi "Mery Per Sempre" e "Ragazzi Fuori", o que chama a atenção é a mudança de registro: do drama naturalista e "sujo" em que, como diria Truffaut, "a feiúra entra por todos os lados", para uma visão mais depurada e límpida.
Passou-se, em outros termos, do documento social à investigação existencial, metafísica.
Os dois pólos entre os quais oscila o filme -e que se tocam eventualmente- são o sexo e o catolicismo. O primeiro é quase sempre visto como uma relação áspera, hostil, entre profissional e freguês. O segundo é ora uma presença opressiva, ora carência, aspiração à espiritualidade.
Um dos melhores momentos do filme é o que mostra três rapazes contando piadas religiosas a uma prostituta. É só na esteira desse momento de dessacralização que o sexo se torna uma coisa leve, alegre e afetuosa.
Em outra sequência, uma jovem prostituta despeja um discurso radicalmente blasfemo sobre duas beatas de alguma seita evangélica, mas faz uma ressalva: "De Jesus até que eu gosto, porque ele ajudava os pobres e comia a Madalena".
Mas a cena mais reveladora da filiação cinematográfica do filme é a que mostra uma prostituta e seu filho numa praia triste e feia.
Nesse momento fica patente, até pela música ("A Paixão Segundo São João", de Bach), que a principal dívida de Grimaldi é com o primeiro Pasolini (o de "Accatone" e "Mamma Roma") em seu olhar cristão ao lado mais sórdido do mundo.
Se há algo a ser criticado é a falta de unidade estética desse filme mosaico, que parece apontar para vários lados e não levar nenhum às últimas consequências.

Filme: As Prostitutas
Direção: Aurelio Grimaldi
Elenco: Ida de Benedetto, Guia Jelo, Lucia Sardo, Sandra Sindoni
Cinemas: Morumbi 5, Olido 3, Belas Artes-Oscar Niemeyer e Top Cine 2

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