São Paulo, sábado, 1 de março de 1997
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Romário ou a ode à beleza do mais simples

MATINAS SUZUKI JR.
DO CONSELHO EDITORIAL

Meus amigos, meus inimigos, o fato mais relevante para o futebol brasileiro neste ano, até agora, foi a deslumbrante volta de Romário à seleção.
Como eu disse no texto enviado de Goiânia, Romário tocou 57 vezes na bola. Talvez tenha sido o jogador que mais participou do jogo.
Para quem tinha a imagem de um Romário parado na área, esperando a hora do gol, ele deu um drible fantástico.
Ele apresentou-se o tempo todo. Veio até buscar a bola na intermediária brasileira.
Fez lançamentos, assistências, deu dribles fantásticos (inclusive um elástico que deixou o seu inventor, Rivelino, entusiasmado).
Romário não fez gol. Disse ao Oldemário Touguinhó, do "JB", que foi melhor assim, pois o gol obscureceria a sua grande atuação para o time.
Já escrevi aqui que o futebol de Romário lembra a Bossa Nova: uma leve malemolência que envolve o gesto mais essencial. O menos é o mais.
Nunca vi ninguém jogar tão fácil como o Romário. Ele chega limpo à bola e resolve os lances de maneira límpida.
Com dois ou três toques ele descreve toda a universalidade do futebol. Não precisa de nenhum esforço para a magia fluir, pois já ganhou o lance antes de chegar na bola.
Qual um lutador de boxe, sabe como ninguém guardar a distância do adversário.
Uma ode à beleza do simples.
*
Goleiros estão fazendo gol. Há uma inversão do papel: antigamente, goleiro era apenas para impedir gol. Goleiro, o último defensor, como escreveu o grande escritor Nabokov.
Agora, ele diria que o goleiro é o último atacante.
Não há dúvida de que a função do goleiro mudou no futebol moderno. Ele tem que participar ativamente do jogo.
A regra que impediu o goleiro de segurar com as mãos as bolas atrasadas com os pés obriga o goleiro a saber jogar também com os pés.
Foi uma mudança compulsória que alterou o papel do goleiro dentro de campo.
Em 94, Johann Cruyff, técnico do Barcelona, dizia que os goleiros precisavam saber distribuir o jogo com os pés.
Com os sistemas de marcação cada vez mais eficientes, um goleiro com habilidades de jogador de linha será cada vez mais solicitado.
Durante a Copa daquele ano, o goleiro belga Preud'homme deu uma lição ao mundo: no último minuto, foi à frente para tentar fazer um gol em um escanteio.
O grande Preud'homme não conseguiu o que Hiran, do Guarani, conseguiu. Salvar o time não impedindo, mas anotando um gol. De cabeça.
Na verdade, não foi o gol de um goleiro só. Foi gol de dois goleiros, pois o Velloso falhou.
O colombiano Higuita será sempre lembrado nesses casos. Mas, habilidades à parte, Higuita, com a sua irresponsabilidade, quase desmoraliza o goleiro que sabe jogar muito bem com os pés.
Mais recentemente, o bulldog paraguaio Chilavert revelou-se exímio cobrador de faltas. Rogério, do São Paulo, com outro estilo, segue os seus passos, ou melhor, seus chutes.
Essa é uma tendência. Goleiros farão cada vez mais gols. O futebol levou muito tempo para mudar, mas está mudando.

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