São Paulo, quinta-feira, 6 de março de 1997
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Filme de 1929 sobre SP volta a ser exibido

MARCELO RUBENS PAIVA

especial para a Folha "São Paulo, a Symphonia da Metrópole", documentário experimental dos emigrantes húngaros Rudolpho Lustig e Adalberto Kemeny, de 1929, volta a ser exibido.
O filme teve a cópia restaurada recentemente pela Cinemateca Brasileira, ao custo de R$ 30 mil, e foi exibido em três concorridas sessões, em fevereiro, no Cinesesc.
As sessões contaram com uma performance ao vivo dos músicos Livio Tragtenberg e Wilson Sukorski, autores da nova trilha sonora e que há dois anos trabalham no projeto -a antiga trilha, do maestro Gaó Gurgel, se perdeu.
O Sesc (Serviço Social do Comércio), que bancou a restauração e a trilha, resolveu exibi-lo novamente, de hoje a domingo.
Mesclando imagens antigas de São Paulo com sons de hoje, Tragtenberg e Sukorski reproduzem os ruídos (passos, motores, relógios) para, aos poucos, com instrumentos inventados, complementarem a narrativa em sequências musicais que atravessam sequências filmadas.
É a cidade de São Paulo a protagonista do documentário. Musa dos futuristas, a então metrópole de 1 milhão de habitantes vivia um momento de euforia graças ao "ouro verde" (o café) e ao desembarque de uma mão-de-obra qualificada capaz de tocar o progresso (os emigrantes).
Com fusões surpreendentes, o filme não apenas documenta uma cidade rumo ao futuro, mas propaga, por meio da narrativa, o ideal positivista da época.
Nas filmagens, não havia equipamentos de pós-produção. Muitas das aparelhagens foram inventadas pelos diretores, como as lentes que fazem o efeito de caleidoscópio que registra o trânsito.
Existem duas maneiras de assistir a "Symphonia da Metrópole". De um lado, temos a semente da São Paulo de hoje: prédios, avenidas, trânsito caótico, vai-e-vem frenético, o comércio, a indústria.
Na hora do almoço, o hábito daquela que é considerada, hoje, a capital gastronômica da América Latina. No cardápio, lá estão feijoada e virado à paulista. Mas temos algo extinto nas mesas dos restaurantes paulistanos, a buchada, e vemos, num rápido take, um restaurante só para mulheres.
Mas, ao registrar um dia na metrópole, do amanhecer ao anoitecer, os diretores escamoteiam uma segunda São Paulo em ebulição.
Incomoda a completa ausência de registro do fervor do movimento sindical que, um ano depois, tomou o poder, na Revolução de 30, levando o Brasil a uma "República Nova".
É um filme de direita? Quase. Transparece, na tela, o ditame fascista "o indivíduo é nada, o Estado é tudo", que poderia ser traduzido como "o cidadão é apenas um componente do progresso". Exemplos?
O menino que, na pré-escola, leva uma bronca da colega, pois jogou uma casca de banana no chão. Os presos trabalhando e marchando sob "disciplina militar", na Penitenciária do Estado, o "instituto de regeneração".
A "São Paulo colonial" sendo demolida para dar passagem a uma São Paulo de acordo com o ideal "Ordem e Progresso", o periférico e marginal controlados para serem integrados ao centro produtivo.
O documentário de 70 minutos alimenta, até hoje, debates. Lembra um filme institucional, que extrapola uma composição maniqueísta. Para ser simplista, diria: é um filme darwinista.

Filme: São Paulo, a Symphonia da Metrópole
Onde: Cinesesc (rua Augusta, 2.075, tel. 282-0213, região central)
Quando: hoje e amanhã, às 21h, sábado, às 20h e 22h, domingo, às 19h (seguido de debate)
Quanto: entrada franca

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