São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
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Um jogo de alto risco

CELSO PINTO

A inflação no ano passado precisaria ter ficado em 113%, se o governo tivesse querido evitar que o déficit público aumentasse ainda mais a sua dívida. A inflação só não disparou porque a dívida subiu.
Só que não dá para aumentar a dívida indefinidamente: seu custo ficará tão alto que o mercado terá medo de financiá-la. Por essa razão, é impossível conciliar, durante muito tempo, déficits públicos com inflação baixa. Ou some o déficit, ou volta a inflação.
A conclusão é de um artigo do professor Márcio Garcia, da PUC do Rio. Se não quiser aumentar ainda mais sua dívida líquida, o governo terá ou que reduzir o déficit operacional (que exclui o efeito da inflação) a algo entre 1% e 2% do PIB, ou terá que se conformar com a volta de altos índices de inflação.
O raciocínio básico é que existem duas maneiras de um governo se financiar: emitindo moeda ou emitindo títulos. A preferência do governo sempre será pela emissão de títulos, já que emitir moeda pode ter um efeito inflacionário.
O aumento da dívida em títulos, contudo, eleva também a dívida líquida do setor público (tudo o que deve, menos tudo o que tem a receber). No ano passado, o déficit operacional foi de 3,9% do PIB. Como ele foi financiado por títulos, a dívida líquida subiu o equivalente a 4,6% do PIB, fechando em 34,5% do PIB. O aumento da dívida evitou a subida da inflação.
O próprio governo, no entanto, tem como meta estabilizar o tamanho de sua dívida líquida. Garcia supõe que a economia precisa, hoje, de moeda (base monetária) equivalente a 2,5% do PIB. Com déficits e para não emitir papéis, o governo precisaria emitir moeda muito além disso, produzindo uma inflação alta o suficiente para gerar um ganho para o governo, que tem o monopólio de emissão de moeda.
É claro que, quanto mais rápida a taxa de crescimento, menor o esforço, já que o objetivo é manter a dívida líquida estável em relação ao PIB (quanto maior ele for, maior também poderá ser a dívida). Garcia fez quatro conjuntos de hipóteses, supondo um crescimento anual do PIB de 3%, 4%, 5% e 6%.
Em todos eles, não há nenhum problema se o déficit público operacional for mantido em 1% do PIB ao ano. Já no caso de um déficit de 2% do PIB, ele só é compatível com inflação baixa se o crescimento for de 6% ao ano. Com 5% a inflação precisa ficar em 11%, com 4%,.vai a 25%, e com 3%, sobe a 39%.
A situação se complica com um déficit de 3% do PIB. Nesse caso, a inflação necessária vai de 37% (com crescimento de 6%) a 79% (com 3% de expansão). Com déficit de 4% a variação da inflação necessária vai de 77% a 118% ao ano. No caso de um déficit de 5% do PIB, a inflação vai de 117% a 158% ao ano.
Garcia não simula o que aconteceria neste ano, mas a conta não é complicada. O governo estima um déficit operacional entre 2,5% e 3% do PIB ano e um crescimento em torno de 4,5%. Se não quiser aumentar sua dívida líquida, a inflação teria que ficar na vizinhança dos 40%. Como o governo vai tentar manter a inflação em torno de 6% a 8%, significa que a dívida vai aumentar ainda mais.
O exercício de Garcia simplifica alguns pressupostos, como ele mesmo alerta. Não considera, por exemplo, a receita de privatização que for usada para abater a dívida. No entanto, ele lembra que a dívida deverá crescer por conta dos chamados "esqueletos", como a decisão do Supremo em favor do aumento dos funcionários públicos.
O exercício de Garcia poderia ter sido feito no sentido contrário: quanto a dívida líquida do governo terá que crescer se persistirem os déficits fiscais, e eles forem financiados por emissão de títulos. Todo mundo sabe que, a certa altura, o mercado desconfiará que não vale mais a pena financiar o governo (que já deu tantos calotes em sua dívida no passado), ele será obrigado a emitir moeda, e a inflação virá. Só não se sabe quando.
O jogo é de risco, mas o final é conhecido: ou cai o déficit, ou sobe a inflação, de um jeito ou de outro.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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