São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
Próximo Texto | Índice

Grávida pede renascimento das parteiras

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma cruzada nacional vem se formando para libertar o parto da parafernália hospitalar e do domínio médico absoluto. O objetivo é devolver ao momento do nascimento suas origens de ato fisiológico, familiar e feliz.
Nem mesmo a hotelaria das maternidades privadas tem evitado que, para muitas mulheres, a hora de dar à luz seja um momento de angústia e medo. Em 80% desses serviços, a insegurança é atenuada num pacto médico-paciente que termina em cesárea.
Nos serviços públicos de saúde, as mulheres passam de mão em mão, sem saber o nome do médico que a atende nem o que está fazendo com ela. O médico desaparece por trás da máscara. Só no Estado de São Paulo, 490 mil mulheres têm filhos na rede pública e 160 mil em hospitais privados por ano.
Para os profissionais de saúde e instituições que estão à frente do movimento, o Brasil precisa levantar com urgência a bandeira da "humanização do parto". Nessa empreitada, a volta da parteira é vista como fundamental.
"A parteira é a melhor alternativa para se humanizar o nascimento", diz a médica Tania Lago, coordenadora de saúde da mulher da Secretaria de Estado da Saúde.
Educados nas faculdades para serem intervencionistas, os médicos não aprenderam a acompanhar durante horas uma mulher em trabalho de parto. Nem ganham o bastante para isso. A solução, quase sempre, é cirúrgica. Com um agravante sério: muitos médicos não informam que a cesárea significa riscos cinco vezes maiores de complicações.
"Enquanto o parto estiver sob domínio do médico, o número de cesáreas não diminuirá", diz Thomaz Rafael Gollop, diretor do Instituto de Medicina Fetal. Formadas em escolas especializadas -como ocorre nos países europeus-, as parteiras acompanhariam o pré-natal e fariam o parto. O médico seria chamado a intervir só em partos de risco.
"Em 70% dos partos feitos no nosso serviço, não haveria necessidade do médico", diz Hugo Sabatino, 55, cinco filhos, professor e obstetra do Grupo de Parto Alternativo da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Tecnologia inapropriada
Sabatino é um dos fundadores do Rehuna, Rede para Humanização do Parto e do Nascimento, criado em 1993.
"O objetivo é diminuir a tecnologia inapropriada que está o país utilizando num processo tão natural que é o nascimento", diz.
Sua equipe criou uma cadeira onde a mãe fica numa posição semelhante à de cócoras, aumentando a circulação sanguínea da placenta e facilitando a saída do bebê.
Desde a sua criação, o Rehuna vem prestando assessoria e divulgando informações para maternidades públicas e privadas.
Julio de Azevedo Tedesco, 58, quatro filhos, professor titular de ginecologia e obstetrícia da Santa Casa de São Paulo, lembra que a desumanização do parto é reflexo do descaso da saúde pública.
"Mas não custaria nada ao médico apresentar-se para a paciente, dizer seu nome, perguntar o dela, pedir licença para examiná-la. Quando a paciente é informada, ela se sente respeitada, se acalma."

LEIA MAIS nas págs. 2 e 3

Próximo Texto: Médicos adotam práticas dispensáveis
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.