São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
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Iverson 'acorda' do sonho

MELCHIADES FILHO
DO ENVIADO ESPECIAL AOS EUA

Allen Iverson nasceu em 7 de junho de 1975, na cidade de Hampton, em Virgínia (Leste dos EUA). A mãe tinha 15 anos. O pai fugiu antes de o filho completar um mês.
Em 1993, o adolescente, fenômeno do basquete colegial, foi pivô de discussão racial que acabou em briga num boliche.
Preso, foi condenado a 5 anos de prisão sem direito a fiança por "incitar a desordem" -claro exemplo, à época, de abuso do Judiciário estadual.
Após cumprir quase um ano da pena num reformatório agrícola, teve a clemência assinada pelo então governador, Douglas Wilder.
Primeiro armador a ser a seleção número 1 no draft universitário desde Magic Johnson em 1979, chegou à NBA nesta temporada. Aos 21 anos, 1,80 m, 75 kg e salário anual de US$ 3 milhões, joga como se estivesse fugindo da polícia -ou correndo pela própria vida.
Com velocidade e habilidade impressionantes, assumiu de cara a batuta do Philadelphia.
Ganhou, merecidamente, o troféu de melhor do jogo que reuniu os melhores calouros da temporada, em fevereiro.
Mas a NBA torceu o nariz para seu topete. Seu nome está fora das iniciativas de marketing da liga. Os árbitros foram instruídos a contê-lo em quadra.
Nesta entrevista à Folha, concedida em Cleveland no mês passado, ele comenta a perseguição, fala sobre sua geração, rebate críticas e conta o que viu ao chegar ao torneio profissional.
(MchF)
*
Folha - Você tem jogado um basquete espetacular. Mas não é uma unanimidade de crítica e de público. Por quê?
Iverson - Não entendo por quê. Mas já estou me acostumando, não é mais novidade.
Folha - Os jornalistas e estudiosos do esporte acham você fominha. Eles estão errados?
Iverson - Não. Sempre quis ser cestinha. Mas minha estatura nunca me permitiu a posição de 2 ("shooting guard", armador mais livre da articulação das jogadas e, pelo menos na teoria, mais disponível para os arremessos). Então, fui forçado a jogar de 1 ("point guard", cérebro ofensivo de um time), anotar e criar oportunidades para que outros anotem.
Mas estou sempre tentando fazer pontos. Minha missão é demolir a defesa rival.
Em uma equipe, alguém tem que arriscar mais. Acho que eu tenho talento para isso.
Folha - Outra crítica frequente é que você é arrogante.
Iverson - Confundem autoconfiança com arrogância. Ninguém tem mais confiança do que eu. Não acho que precise baixar a cabeça o tempo todo. Para alguns, isso parece negativo. Fazer o quê? Conheço minha capacidade e minhas limitações. Ainda cometo erros. Mas sou bom e vou melhorar.
Folha - O que você acha das críticas à sua geração? Dizem que vocês privilegiam o individualismo, a jogada de efeito, em detrimento do conjunto.
Iverson - Discordo da impressão de que minha turma só sabe enterrar. Vejo muitos jovens talentos com outras habilidades. E, além disso, enterrar o tempo todo cansa as pernas.
Folha - Você não parece impressionado com a atmosfera do basquete profissional...
Iverson - Não estou. Jogar na NBA é um sonho que virou realidade. Mas já acordei.
Folha - Não te impressiona nem o jogo mais viril, em que o contato físico é mais comum?
Iverson - Não. Ter jogado futebol (americano) na adolescência me ajudou muito. Estou acostumado ao contato. Apanhar nunca foi ou será problema. Disputo cada partida como se ela fosse a última.
Folha - Mas você não nota uma diferença entre o basquete universitário e a NBA?
Iverson - Aqui, os jogadores são mais fortes e espertos. Isso eu esperava. Mas são mais velozes. Isso eu não esperava.
Folha - O que você acha da campanha da NBA contra seu modo de vestir e seus dribles?
Iverson - Acho injusta. Mas revolvi ficar quieto. Iria piorar.

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