São Paulo, domingo, 9 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Samba, suor e dinheiro

DANIELA FALCÃO

Marketing do Excel-Econômico faz o banqueiro Ezequiel Nasser sair do escritório e correr atrás do trio elétrico
"Quando a gente sobe em cima do trio elétrico e vê ruas e ruas tomadas de gente, dá uma emoção indescritível"
Quando o banqueiro Ezequiel Nasser, 52, apareceu no domingo de Carnaval com o ator Edson Celulari em cima do trio elétrico de Daniela Mercury foi por terra um dos mitos sagrados que imperava no restrito círculo de donos de banco, segundo o qual banqueiros devem se manter afastados da mídia e da plebe.
Até comprar o falido Econômico em maio de 95, Nasser era um dos seguidores mais fiéis dessa máxima. Dono do Excel -na época um banco de atacado voltado para empresas e grandes negócios-, ele fugia de fotógrafos e fazia de Nova York seu refúgio.
Agora Nasser faz questão de ser visto -e fotografado- em jogos do Corinthians ou do Vitória da Bahia, times que passou a patrocinar, e em eventos populares, como o Carnaval baiano.
Por trás dessa mudança radical, não há nenhum ato impulsivo. Tudo faz parte de uma planejadíssima estratégia de marketing bolada nas salas do novo Excel-Econômico para transformar o banco em um dos cinco maiores no setor de varejo. Hoje, ocupa a 15.ª posição.
A meta é ambiciosa: o Bradesco tem 4 milhões de clientes, e o Excel, 300 mil (quando o banco reabriu tinha 120 mil). Para chegar lá, Nasser conta com cinco executivos que dormem e acordam pensando em como fazer o Excel ultrapassar dez bancos o mais rápido possível.
Respeitando a tradição dos imigrantes sírios de manter os negócios em família, dois dos cinco fiéis escudeiros de Ezequiel têm o mesmo sobrenome dele. Um é seu pai, Rhamo Nasser, 85, presidente do conselho do banco e conselheiro para todos os assuntos do filho. O segundo, o irmão caçula, Jacques, 43, engenheiro formado pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), controla toda a parte de informatização.
Os outros três que compõem a linha de ataque do Excel foram "pescados" por Nasser para transferir ao banco quatro qualidades suas que considera fundamentais para chegar onde quer: disciplina, agressividade, agilidade e determinação -nesta ordem.
O atual vice-presidente do Excel, Gilberto Nobre, foi o primeiro a ser cooptado, em 92. Nobre havia acabado de se aposentar, depois de ter feito carreira de mais de 30 anos no Banco Central, sempre em crédito externo.
Hoje, Nobre acompanha Nasser em quase todos os eventos públicos e é considerado um dos estrategistas da investida do Excel contra os concorrentes.
Embora Nobre faça parte da equipe há cinco anos, o pulo-do-gato só começou a ser planejado em agosto passado, quando Nasser trouxe para comandar o marketing do Excel o publicitário paulista Ival Dias da Gama, 42, que era diretor da área na Unicór (empresa de seguro-saúde) havia cinco anos.
Elétrico, falador e cheio de idéias, Gama por sua vez tratou de conseguir o passe do diretor de criação Woody Gebara, co-responsável, entre outros feitos, pela invenção do Sebastian, garoto-propaganda da C&A.
Gama se encaixa nos planos de Nasser porque é agressivo e criativo. É ele o pai do ExcelFun -cartão exclusivo dos clientes do banco, que dá direito a entrar em 140 salas de cinema do país sem ter de enfrentar filas.
Foi ele também quem teve a idéia de transformar o número 12 na marca do banco, depois de Nasser decidir dar a seus clientes 12 dias no cheque especial sem pagamento de juros, contra os 10 oferecidos pelo concorrente Real.
Para associar o nome do banco ao 12, a primeira invenção de Gama foi acrescentar o número 12 ao disque-800 do Excel. A tarefa seguinte foi mais audaciosa (uma das palavras prediletas da equipe de Nasser): convencer Bebeto e Túlio a vestirem a camisa 12.
Túlio foi contratado pelo Corinthians por imposição do Excel, que desde dezembro é o maior patrocinador do clube paulistano. Já Bebeto foi resgatado do Sevilha da Espanha -onde não recebia salário havia dois meses- para ser dado "de presente" aos torcedores do Vitória da Bahia, onde começou sua carreira. Tudo com verba do Excel, que salvou o time da falência em julho passado.
Se Gama é o arrojado, Woody é a agilidade em pessoa. Quando foi acertada a volta de Bebeto, coube a ele preparar um filme que seria veiculado nas emissoras da Bahia com imagens de Bebeto em menos de 24 horas.
Como não havia imagens de Bebeto com a camisa do Vitória, Woody teve de rebolar para fazer montagens em que o artilheiro aparecia fazendo gols pelo Flamengo, sem que o logotipo e o patrocinador do clube carioca aparecessem (Vitória e Flamengo têm camisas de cores idênticas).
Popularização com charme
Nasser sabia que para recuperar a credibilidade do banco precisava sair do casulo e mudar a imagem de banqueiro inatingível.
"As pessoas precisavam saber que o banco tinha um dono, que por sua vez tem uma mulher bonita, três filhos adolescentes. Não pense que subir em cima do trio foi uma coisa fácil. Mas o Ezequiel sabia da importância de estar ali", diz Gama.
A transição de homem recluso para carnavalesco e torcedor fanático também não foi fácil. Sobrinho dos irmãos Safra -Moise e Joseph (donos do Safra) e Edmond (do Republic National Bank of New York)-, Nasser seguia à risca o modelo dos tios, famosos pela ojeriza que têm a tornar público qualquer detalhe de suas vidas.
A aversão aos holofotes e a preocupação com segurança se aprofundaram em Nasser depois do sequestro em 94 -passou mais de dois meses em cativeiro e só foi liberado após pagamento de R$ 3 milhões de resgate.
Ao fundir o Excel ao Econômico, Nasser concluiu que não tinha outra opção e que, para popularizar a marca e conseguir chegar à meta de ser um dos cinco maiores bancos do país, tinha de emprestar seu nome à nova instituição.
"Queremos um banco popular, mas com charme. Os banqueiros de hoje são muito sisudos, engravatados. Vivem isolados em seus escritórios e não têm contato com o público", disse Nasser, que até pouco tempo atrás se encaixava perfeitamente no perfil citado.
Para muita gente, tão esdrúxula quanto sua aparição em um trio elétrico foi o desfile em caminhão de bombeiro pelas ruas de Salvador ao lado do baiano Bebeto, quando voltou ao Vitória.
Também está construindo uma casa em Praia do Forte (litoral norte da Bahia), apelidada por seus amigos de "poema", tamanho o cuidado com que está sendo feita.
Para colocar o seu banco entre os cinco primeiros do país, Nasser é capaz até de populismos como abandonar uma reunião na sucursal do Excel em Recife e sair a pé para comer sanduíche em um McDonald's. O ato seria um exemplo de despojamento, não fosse o fato de estar acompanhado o tempo todo por oito guarda-costas.
Nasser também é capaz de se deslocar a Salvador -sempre de jatinho- para almoçar com o timbaleiro Carlinhos Brown, a mais nova aquisição do banco. "Sabe que foi divertido. Acho muito interessante ter a oportunidade de conversar com gente assim tão diferente", diz o banqueiro. Para quem não conhece, Carlinhos Brown afirmou uma vez que sua fala, torrencial, "não tem ponto, nem vírgula".
Carnavalesco
Além da disciplina, algumas características de Nasser ajudaram a transformá-lo em garoto-propaganda do banco. Primeiro, seu relacionamento com os subordinados. Embora com fama de durão e genioso, Nasser faz questão que todos os funcionários o chamem pelo primeiro nome e tem muita paciência com repórteres e curiosos.
"No início, foi difícil enfrentar as câmeras de TV e as perguntas dos repórteres porque eu nunca tinha passado por isso. Agora acho que já tenho 5% do traquejo. Mas faltam 95%", diz Nasser.
Segundo, o fato de realmente parecer estar gostando da súbita fama. "Nunca tinha passado o Carnaval na Bahia, mas adorei e agora vou querer ir sempre, com toda a família. Quando a gente sobe em cima do trio elétrico e vê ruas e ruas tomadas de gente, dá uma emoção indescritível. Faz até passar o medo de estar lá em cima com tudo balançando."
Mesmo no seu novo papel, Nasser não dispensa os seguranças, só fuma charutos importados, usa jatinho próprio para andar pelo Brasil e continua indo a Nova York pelo menos a cada dois meses.
Embora tenha passado 50 dos 52 anos de sua vida no Brasil (Nasser nasceu na Síria), seu português sai dos eixos de quando em quando. Na cerimônia em que anunciou o patrocínio do banco ao América mineiro, Nasser abusou de expressões como "foram começados" em vez de "começaram".
Futebol e Carnaval
Embora soubesse que precisava popularizar o banco e chacoalhar o mercado com serviços exclusivos que ainda não tivessem sido oferecidos pelos concorrentes, a opção de patrocinar times de futebol e estrelas do Carnaval baiano aconteceu meio por acaso.
"Tínhamos um débito com a Bahia porque o Estado inteiro havia se mobilizado para evitar a liquidação do Econômico. Com a quebra do banco, o Vitória perdeu o patrocínio e quase faliu. Decidimos custear o time para resgatar parte dessa dívida", conta Nasser.
Na época do acerto com o Vitória, Nasser jura que nem pensava em estender o patrocínio a outros clubes. Em dezembro, o ex-presidente do Banco Central Ibrahim Eris -amigo pessoal de Nasser e corintiano roxo- procurou o dono do Excel para propor uma parceria entre o banco e o clube.
Eris havia acabado de fundar com outros quatro empresários corintianos o GAP (Grupo de Apoio à Presidência), que tinha como principal objetivo profissionalizar a administração do clube.
"O Ezequiel queria popularizar o banco, mas não sabia como. Quando o Eris apareceu com a proposta de patrocinar o Corinthians, tudo ficou claro. Foi uma coincidência perfeita", diz Gama.
A parceria entre o banco e o "Timão" inclui pagamento de R$ 25 milhões anuais em troca de ter o nome Excel-Econômico na camiseta, além da compra de jogadores.
Dos cinco atletas comprados pelo Excel, só um nome foi imposto pelo banco: o do atacante Túlio, 27. "Ele tem carisma e serve como uma luva para as intenções do Ezequiel", diz Gama.
Com o anúncio do patrocínio ao América de Minas na semana retrasada, o Excel já tem três times com sua logomarca estampada na camiseta. Embora o banco faça mistério quanto a acordos futuros, deixa a pista de que o próximo beneficiado pode ser um time carioca.
O Rio é o quarto Estado para o Excel em número de clientes. Os três primeiros (Bahia, São Paulo e Minas) já ganharam patrocínios. Como a estratégia do banco é ir "para o alto e avante", tudo indica que o Rio será o próximo alvo.
Por enquanto, a única decisão tomada é que Nasser deverá sumir da mídia por uns tempos. "O Carnaval provocou uma superexposição e conseguimos nosso primeiro objetivo. Mas agora está na hora de parar um pouco. Quando for a hora, ele aparece de novo", explica um executivo do banco.

Texto Anterior: Mamãe se chama Luiz
Próximo Texto: Medieval moderno
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.