São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 1997
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Contra o massacre dos futuros campeões

ROBERTO TRINDADE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A jovem suíça Martina Hingis, de apenas 16 anos, conquista o Aberto de tênis da Austrália, ao vencer a francesa Mary Pierce, 22, e faz história como a mais jovem vencedora de um torneio do Grand Slam.
O Grand Slam reúne os quatro torneios de tênis mais difíceis e de maior prestígio em todo o mundo.
Martina Hingis, a dona da proeza no último mês de janeiro, nasceu na Tcheco-Eslováquia e joga desde os 3 anos, reinada por sua mãe, uma ex-tenista.
Agora, a jovem suíça está muito perto de se tornar a primeira colocada no ranking mundial, desbancando a alemã Steffi Graf.
O acontecimento e as notícias publicadas em jornais chamaram minha atenção.
Também parece ser necessário chamar a atenção para o intenso treinamento físico ao qual são submetidas certas crianças e adolescentes.
É evidente que não estou discutindo a importância da prática esportiva para o crescimento e o desenvolvimento integral delas.
O que eu desejo alertar é que, com desejo de criar futuros campeões, desenvolveu-se, no mundo inteiro, uma mentalidade esportiva voltada para um treinamento precoce.
Essa "overdose" é caracterizada por treinos de até 3 ou 4 horas diárias. Isso sem contarmos o tempo adicional da duração das competições.
Considerações de ordem política, econômica e social foram a origem da criação e desenvolvimento dessa modalidade de treinamento.
A preocupação inicial não leva em conta a criança, com todas as suas particularidades e idiossincrasias: fase de desenvolvimento, organismo, metabolismo, sua psicologia. Só a obtenção de resultados.
E, assim, crianças e adolescentes são massacrados: abuso atlético aprovado, e incentivado, pela sociedade.
Precisamos estar atentos para esse abuso. E necessitamos alertar os pais.
Numerosos casos de traumatologia, causados por excesso de treino, vêm provocando invalidez por períodos de relativa importância.
Também temos assistido a outros acidentes, que envolvem a saúde mental. Não podemos ser negligentes ou fechar os olhos para os fatos.
Lembrem-se de que crianças afetiva e psicologicamente imaturas estão sendo engajadas precocemente num caminho que leva ao vedetismo, sinônimo de fracasso para a grande maioria.
Afinal, para haver vencedores é necessário que alguém saia perdedor. Está a criança habilitada para entender esse regra de equilíbrio?
Nadadores, jogadores de vôlei e basquete, judocas, tenistas e ginastas infantis são obrigados, pelo desejo de pais e técnicos, a viver em função da conquista de uma medalha.
Será que o prestígio que nos traz uma medalha, seja ele para um clube, uma equipe ou uma nação, merece que sejam postos em jogo a infância e a saúde de numerosos jovens?
Não seria a hora de educadores, atletas, pais e toda a sociedade avaliarem o que está acontecendo e o que pretendem para o futuro?
Será que o assunto não merece um pouco mais de atenção e reflexão de cada um de nós?

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