São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Leigos vão 'ao vivo' a comunidades de pobres

PAULO MOTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA

Um grupo de 60 terapeutas leigos formados pela UFC (Universidade Federal do Ceará) atende cerca de 1.200 favelados e moradores de comunidades pobres em 32 cidades de quatro Estados do Nordeste.
O programa foi desenvolvido pela Pastoral da Criança junto com a universidade para suprir a carência de atendimento do SUS (Sistema Único de Saúde) na área de saúde mental.
O coordenador do projeto Terapeutas Comunitários, Adalberto Barreto, diz que o modelo adotado é inspirado no programa de agentes de saúde do Ceará, responsável pela redução da mortalidade infantil no Estado.
"Nossa idéia é 'instrumentalizar' terapeutas leigos para fazer atendimento primário de saúde mental para a população marginalizada", diz Barreto.
O atendimento terapêutico é feito em centros comunitários ou na própria casa dos pacientes.
Cada terapeuta é treinado em um curso de 300 horas/aula, no qual recebe noções de ética, psicologia e dinâmicas de grupo. O curso é ministrado por uma equipe multidisciplinar formada por psiquiatras, antropólogos e psicólogos.
Eles são perfilados em duas categorias: os corporais, que são capacitados para fazer massagens e manipular plantas medicinais; e os comunitários, responsáveis pela condução das sessões de terapia coletiva.
Segundo Barreto, a maioria de seus pacientes na favela é de pessoas com estresse ou depressão causados por problemas sociais, desintegração familiar, alcoolismo ou vítimas de violência doméstica.
Tratamento pessoal
Barreto diz que o laboratório foi desenvolvido na favela do Pirambu, em Fortaleza, onde há dez anos ele dirige um centro atendimento para a população local.
No Pirambu, o centro mantém uma horta comunitária que fornece plantas medicinais, uma casa de massagens e um enorme galpão em forma de teia de aranha no qual são realizadas as sessões coletivas.
Barreto costuma misturar os conhecimentos adquiridos no curso de psiquiatria que fez na Universidade René Descartes, em Paris, com as referências dos curandeiros e espíritas que eventualmente participam das sessões de terapia que promove no Pirambu.
"O importante é tocar a alma das pessoas. A linguagem a ser utilizada é apenas um detalhe. Se um curandeiro consegue ser mais eficiente do que eu nesse processo, tenho que respeitá-lo."
Barreto diz que, apesar da Pastoral da Criança financiar o projeto, não se exige que os terapeutas sigam o catolicismo. "Pelo contrário, nossas terapias usam todas as referências da população."
Ele critica os colegas que, na maioria das vezes, tratam o paciente pobre com distúrbio mental de forma impessoal e sem atenção.
Os terapeutas leigos, segundo Barreto, são orientados a não interpretar nem julgar seus pacientes, e a encaminhar os casos mais graves para os psiquiatras da rede hospitalar pública.
Cursos
A primeira turma formou, há seis meses, 60 terapeutas que estão espalhados em 32 cidades do Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíba. Uma segunda turma de 60 alunos está sendo treinada para atuar no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.
A idéia foi encampada também pelo governo do Pará, que nesta terça-feira forma mais 60 terapeutas para atuar em comunidades distantes da Floresta Amazônica.
No final do curso, cada aluno recebe um manual de 250 páginas que serve como apoio no cotidiano. Os terapeutas são supervisionados trimestralmente por psiquiatras e psicólogos.
Os terapeutas leigos não recebem salários fixos, mas geralmente ganham auxílio de entidades das comunidades que atendem. A gratificação varia de R$ 50 a R$ 100.
A assessora da Pastoral da Criança, irmã Cristiane Michels, diz que a entidade investiu R$ 45 mil na formação da primeira turma de terapeutas leigos. Ela afirma que está captando recursos para financiar turmas em outras regiões.

Texto Anterior: 'Netvício' é o novo distúrbio
Próximo Texto: Sessão mistura reza com dança do tchan
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.