São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
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A pantomima da TV Senado

LUÍS NASSIF

O show foi armado para ser visto pelo país inteiro. Pela primeira vez uma CPI era transmitida ao vivo e em cores, sem corte para os comerciais, pela TV Senado.
Na cadeira de réus estava Fábio Nahoum, do Banco Vetor, apontado por senadores da CPI dos precatórios como o principal suspeito das irregularidades cometidas.
Ao final de seis horas de julgamento, a reportagem da competente Vera Brandimarte, no "Jornal do Brasil", era clara. "Nahoum vence despreparo dos senadores", foi o título.
Tendo o poder de levantar contas telefônicas, atropelar normas de sigilo bancário, devassar a vida de qualquer acusado, investigar no Brasil e no exterior, os senadores simplesmente não se prepararam para o embate.
O relator Roberto Requião não dispunha nem sequer de um relatório organizando os principais pontos de dúvidas para, em torno deles, juntar provas e argumentos e identificar eventuais inconsistências no depoimento do acusado.
Recorria, então, a estratagemas que depreciavam a casa para garantir o papel principal no show da TV Senado.
Perguntou se o acusado tinha conta em banco do exterior. A resposta foi negativa. O senador brandiu, então, trecho de uma carta, encontrada entre os papéis pessoais de Nahoum, que continha os dados incriminadores: "A minha conta no Nations Bank de Houston é a seguinte..." Não mostrou o restante da carta.
O restante da carta era o seguinte: "Querido Fábio, como expliquei a você pelo telefone, vou pedir à Margarita uma cópia certificada do testamento do Bavaro e da certidão de óbito, para poder resolver o problema do telefone. Você não acha que seria melhor vender de uma vez essa linha? A minha conta no Nations Bank de Houston é a seguinte (...) Depois de ter pagado ao José Carlos, por favor, mande o que sobrar de dinheiro para essa conta (...) Beijos para todo mundo e tudo de bom, Magda". A conta era de Magda Fanni de Torelli, irmã do acusado, morando há 25 anos no México.
Assessor em férias
Internamente, o Senado vivia um drama banal. Dentre o exército de assessores parlamentares pagos com dinheiro público há um único técnico especialista na matéria. Mas estava com férias vencidas e julgou por bem gozá-las em pleno transcurso da CPI. E o Senado ficou a pé.
Mas não tinha a menor importância, porque no tapetão de alguns jornais o resultado do jogo já estava assegurado.
Para um diário carioca, "a CPI conclui que o cérebro do esquema foi Nahoum" -conforme chamada da primeira página. A conclusão se baseava em uma única informação: segundo o senador Vilson Kleinubing, as vendas de papéis de Santa Catarina pelo Vetor passavam, antes, pela IBF (a lavanderia de dinheiro frio do esquema).
A reportagem não narrava a resposta do acusado, possivelmente para não atrapalhar a conclusão. Resposta: "Fiquei incumbido de colocar R$ 200 milhões dos R$ 600 milhões emitidos pelo governo de Santa Catarina. Da minha parte, nenhum papel foi adquirido pela IBF. Mas dei sorte porque, ao colocar o papel à venda no mercado secundário, não tem como a gente impedir ninguém de comprar".
Terno criminoso
Os demais elementos de convicção acerca da culpa do Vetor dão uma pequena amostra do tipo de produto que está sendo oferecido pelos nobres setoristas da CPI ao distinto público.
Para um jornal da grande imprensa, a prova da culpa era que, "enquanto Wagner (o outro suspeito) falava de forma direta e coloquial, nervoso e constrangido, Nahoum media as palavras para responder aos senadores".
Em outro jornal, um senador constatava, em "off", que "bastava olhar para o terno de um e do outro para vermos que Nahoum é o grande bandido". A um diário econômico, o senador Roberto Requião declarava: "não acredito em inocência de banqueiro e não tenho receio de ser chamado de precipitado".
Um dia antes, o mesmo grande diário carioca havia dado manchete de seis colunas com a relevante informação de que a Polícia Federal tinha localizado provas da conexão entre a ADS, assessoria empresarial, e o Banco Vetor: contas telefônicas, que provavam que eles se falavam pelo telefone. Furo seria se eles se comunicassem por meio de tambor ou pombo-correio.
O resultado é que toda essa pantomima não valerá um tostão furado em um tribunal. Se Nahoum efetivamente for culpado, terá direito a uma indenização monumental pelo fechamento do seu banco, brandindo como prova seu próprio depoimento na CPI. Mas não haverá dinheiro ou aumento de tiragem que pague essa rotunda demonstração de falta de qualidade jornalística na cobertura.

Email: lnassif@uol.com.br

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