São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
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O Brasil frágil

LUCIANO COUTINHO

A ausência de um sistema doméstico de poupança e financiamento, robusto e suficiente, sempre foi e continua sendo um elemento fragilizador do nosso desenvolvimento.
Não é necessário relembrar o descompasso entre o esforço público e privado de investimento e a oferta de financiamento (especialmente de longo prazo) ao longo da nossa história econômica. Essa deficiência forçou a busca de soluções improvisadas, precárias: no ciclo-Kubitschek (plano de metas - 1955-59), emissões inflacionárias; no "milagre econômico" (1967-73) e durante o ciclo-Geisel (2º PND - 1974-78), recurso ao endividamento externo em grande escala.
Os custos nesse último caso foram particularmente amargos -crise da dívida nos anos 80, acompanhada de uma brutal desestruturação financeira do Estado e de recorrente ameaça de hiperinflação.
Obtida a estabilização com o Plano Real, muito mais viabilizado pelo expressivo ingresso de capital externo (e não tanto pela "virtuose" das nossas autoridades), continuamos carentes de um sistema de poupança e financiamento minimamente adequado.
O governo não parece consciente da necessidade de construir novas bases e fontes de fundos para o desenvolvimento. Com o potencial de crescimento do PIB constrangido pela sobrevalorização cambial e pelo elevado déficit externo, fica contida a taxa agregada de investimento e poupança. De outro lado, a pletora de capitais estrangeiros propicia uma saída fácil e cômoda, dispensando qualquer esforço para desenvolver fontes internas de poupança e crédito, especialmente de longo prazo.
Aparentemente conveniente, em face da necessidade de atrair capitais para cobrir o déficit em conta corrente, essa política acomodatícia é deletéria pelas razões seguintes: 1) induz os agentes privados à captação de recursos externos, sob diversas formas, tornando-os cada vez mais vulneráveis a uma desvalorização da taxa de câmbio; 2) para evitar que esse risco se torne impeditivo para todo o processo o governo o assume, oferecendo ao setor privado títulos indexados à variação cambial, o que já vem resultando em crescente "dolarização" da dívida pública; 3) a necessidade de absorver influxos de capitais externos, em grande escala, obriga a manutenção de taxas de juros muito elevadas; 4) finalmente -e mais importante-, a rota atual coloca a economia brasileira sob crescente vulnerabilidade, ante a possibilidade de uma reversão do fluxo de capitais, provocada por uma mudança da política monetária dos países desenvolvidos ou por turbulências graves nos mercados financeiros internacionais.
Desse tipo de de armadilha é preciso escapar o mais rápido possível -quanto mais tempo persistirmos nela, maiores e mais dramáticos serão os custos futuros decorrentes de um inevitável ajuste do déficit em conta corrente.
Não se trata apenas de corrigir a sobrevalorização cambial e reduzir a taxa de juros. É indispensável efetuar um intenso esforço de recuperação da capacidade doméstica de poupança e investimento, começando pelo setor público (cujo déficit precisa ser reduzido, concomitantemente à reativação dos investimentos do Estado).
Além disso, o desenvolvimento dos fundos de pensão precisaria receber forte estímulo e o sistema bancário deveria ser induzido a oferecer ao setor privado crédito e capitalização de longo prazo com custos de capital razoáveis.
A poupança externa, é claro, deve continuar sendo atraída, mas por meio de investimentos diretos e de operações financeiras de longa maturação.

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