São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
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A morte de Jauss

O teórico da literatura morreu no último dia 1º

LUCAS DELATTRE
DO "LE MONDE"

O filólogo e teórico da literatura alemão Hans Robert Jauss morreu em Constance, sudoeste da Alemanha, no último dia 1º, aos 75 anos.
Nascido em 1921, era especialista em literatura francesa e desempenhou um papel importante na história da crítica literária deste século. Sua obra é dominada pela busca de uma "hermenêutica literária", que ele definiu, a partir dos anos 70, como uma abordagem interdisciplinar com a qual se pode avaliar a obra por meio da história de sua recepção.
Instrumentos
No decorrer de uma carreira passada inteiramente na Universidade de Constance, da qual foi um dos fundadores, depois de tornar-se conhecido graças a uma tese sobre Marcel Proust, Hans Robert Jauss foi, pouco a pouco, criando os instrumentos de um método de análise textual que fez escola no mundo inteiro. Traduzido em 20 idiomas, "Por Uma Estética da Recepção" foi, entre todos os seus livros, o que obteve maior repercussão pública.
Mal-entendidos
O grupo de trabalho criado por Jauss em Constance, "Poetik und Hermeneutik" -que também deu seu nome a uma revista-, vai continuar funcionando sem ele, mas dentro das perspectivas que Jauss traçou.
Para o filólogo, a obra literária ganha significado por meio dos mal-entendidos que acompanham sua recepção ao longo da história. Assim, a leitura do texto pede uma decodificação permanente dos caminhos pelos quais o texto foi compreendido ou não compreendido (possibilidade que o interessa ainda mais do que a primeira).
Isso, porque Jauss situa a obra no ponto de encontro entre o texto propriamente dito e a subjetividade daquele que o recebe, no próprio ponto em que se elabora o cânone estético. Ao insistir na "experiência literária", e não sobre a idéia de um significado definitivo dado à obra por seu autor, o método de Jauss consiste em abrir o texto como se abre uma noz.
Nazismo
Numa entrevista concedida recentemente ao "Le Monde", publicada em 6 de setembro de 1996, Jauss, respondendo às perguntas do jornalista Maurice Olender, falou extensamente, pela primeira vez, sobre um período sombrio de sua vida: o alistamento voluntário na Waffen SS (a polícia de Hitler), em 1939, aos 17 anos de idade.
Tendo servido primeiro no front oriental da guerra, depois como oficial de ligação na "divisão Charlemagne" até o final dela, Jauss foi julgado, depois da guerra, por um tribunal constituído sob a égide das forças de ocupação, que considerou que "ele não havia participado de atos criminosos".
Genocídio
Na entrevista concedida ao "Le Monde", Jauss explicou: "Não se pode compreender o genocídio cometido pelos nazistas, porque seria uma maneira de aprová-lo", e se disse defensor de "um projeto intelectual que se opõe a qualquer espécie de retorno à idéia de nacionalidade ou de raça como vetores significativos nas ciências humanas".
Seu passado conturbado alimentou polêmicas acirradas, e alguns de seus detratores quiseram enxergar em seu próprio método "uma nova forma de niilismo intelectual".

Tradução de Clara Allain.

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