São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Ministros de FH; Uma grande idéia; El Rey do Sertão; Procon neles; A fogueira da ignorância histórica; Um governo forte demais para o gosto do PFL; O risco do BNDES trocar ouro por bananas; Lu Menezes; Bluma W. Vilar; Tenório Miranda

ELIO GASPARI

Ministros de FH
Os novos ministros dos Transportes e da Justiça deverão ser convidados a
manter nos seus cargos os secretários-executivos José Luís Portela e Milton
Seligman.
Aos poucos, por gravidade, FFHH compôs uma equipe na qual os
secretários-executivos dos ministérios são pessoas nas quais confia
funcional e pessoalmente. Como a cada dia fica mais claro que ele é o centro
do espetáculo, joga melhor com o banco de reservas do que com o time
titular.
Na Fazenda, sempre que necessário, despacha com o secretário-executivo Pedro
Parente. Na Saúde, com Barjas Negri. Na Previdência, José Cechin.

Uma grande idéia
Contribuição à História da Banca:
Na última semana de novembro do ano passado, a única coisa que o senador
Vilson Kleinubing pedia aos seus colegas era um voto do Senado que
suspendesse as negociações com papéis de precatórios de Santa Catarina.
Os caciques do PMDB acharam que isso deixaria mal o governador Paulo Afonso
Vieira e sugeriram que, em vez de uma medida drástica, se resolvesse tudo
com um pedido de CPI.
Supunham que FFHH resolveria barrá-la ou co-patrocinaria a pizza.

El Rey do Sertão
O fracasso de sua administração financeira subiu à cabeça do governador
Miguel Arraes. Gloriosamente poupado pelos senadores da CPI dos Títulos
Públicos, visto que o Banco Vetor ganhou mais dinheiro às suas custas do que
em qualquer outro de seus negócios, ele se saiu com a seguinte:
Quem me julga é o povo pernambucano, e a esse julgamento me submeto de bom
grado.
Erro. Quem o julga é o Poder Judiciário, mesmo que isso o contrarie. O povo
pernambuco pode, até de bom grado, reelegê-lo.
Quando FFHH diz coisas bem mais suaves, é chamado de cesarista, onipotente e
autoritário.

Procon neles
Uma sugestão para a boa saúde das contas bancárias de quem usa cartões de
crédito: é bom conferir minuciosamente todas as faturas recebidas.
Já houve caso de uma pessoa comer num restaurante de hotel no Rio e
receber junto com a conta do que almoçou uma outra, do mesmo valor, do que
teria jantado. A empresa, em vez de informar à vítima que responsabilizaria
o hotel pela cobrança indébita, pediu-lhe que escrevesse uma carta para
descontar a tunga na próxima fatura.
Houve também caso da soma das despesas não conferir com o total da fatura.
Alguns serviços de atendimento ao cliente das empresas de cartões formam
filas eletrônicas insuportáveis.
Por via das dúvidas, pode ser mais fácil ligar para o Procon.

A fogueira da ignorância histórica
A professora Maria Célia Marinho de Azevedo, da Unicamp, adverte: Com base
numa lei sancionada pelo presidente José Sarney em 1987, a Justiça do
Trabalho está queimando processos com mais de cinco anos de idade.
Uma pessoa vai procurar documentos capazes de demonstrar que trabalhava sem
carteira assinada numa empresa, descobre a ficha do papel onde estaria a
prova e lê a mensagem de um carimbo: "Incinerado". É o suficiente para que
uma aposentadoria demore alguns anos mais.
Além desse absurdo, a queima dos processos significa a destruição da memória
histórica das relações de trabalho no Brasil. Há a suspeita de que toda a
documentação relacionada com o surgimento do Ministério do Trabalho já virou
pó.
A queima de arquivo não é culpa da Justiça do Trabalho. Entre 1986 e 1996
passaram por suas portas 15 milhões de reclamações e metade delas terminou
em acordo entre as partes. Os funcionários do crematório paulista, que
funciona na Freguesia do Ó, se queixam de sobrecarga e, na verdade, os
tribunais não têm como guardar tanta papelada.
Quem acompanhou a visita do presidente francês Jacques Chirac ao Brasil deve
ter percebido que tanto FFHH quanto seu ministro da Cultura, o professor
Francisco Weffort, são capazes de cantar toda a Marselhesa em francês. Gente
tão fina pode notar que a queima de arquivos é muito mais um problema da
cultura nacional do que um delírio dos incineradores. Não foram eles que
acenderam a fogueira, mas só eles podem apagá-la. Se não puderem, que pelo
menos admitam a possibilidade de se colocar a seguinte placa nos locais onde
estavam os arquivos incinerados:
"Sendo presidente da República e ministro da Cultura os professores Fernando
Henrique Cardoso e Francisco Weffort, os papéis que aqui estavam guardados
foram mandados para o forno, de acordo com uma lei assinada por José Sarney,
da Academia Brasileira."
Tanto essa lei quanto uma norma recente que rege a queima de documentos do
Tribunal de Justiça de São Paulo ressalvam que os documentos de "valor
histórico" devem ser preservados. E quem define o que é valor histórico?
Para medir o alcance dessa bobagem, talvez convenha usar um parâmetro
impreciso, porém monetário e elitista: as cotações do mercado internacional
de autografos.
Se Marilyn Monroe soubesse que um cheque seu de US$ 3,67 valeria 5.750,
enquanto uma carta de seu ex-namorado Jõn Kennedy poderia ser comprada por
3.000, talvez não tivesse tomado a ultima dose de barbitúricos.
O "valor histórico" de uma assinatura de J.P. Morgan, o magnata da banca e
das ferrovias americanas está em 2.000 dólares. Um livro assinado por Frank
James, vale 2.750. Frank era irmão de Jesse James, que assaltava os trens do
pai de Morgan.
Uma assinatura de Al Capone vale 12.500 dólares. Uma carta de Simon Bolivar,
9.500.
Pode-se argumentar que há algo de excêntrico nessas cotações (todas da casa
Kenneth Rendell, de Nova York). Não é de todo verdade, porque mesmo
aceitando-se que o "valor histórico" de Frank James sempre será menor que o
de Morgan, é bem provável que daqui a cem anos Marilyn seja mais estudada
que Kennedy.
Ilustrando o coração do problema, duas assinaturas mostram que uma geração
tem apenas vaga idéia do que será a sua história no século seguinte.
Em 1838 um escravo americano chamado Frederyck Douglass fugiu da senzala e
foi para a estrada. Onde deixavam, defendia a abolição. Comprou sua
liberdade e se tornou assessor do presidente Abrãam Lincoln.
Em 1857, o presidente da Corte Suprema dos Estados Unidos, Roger Taney,
redigiu uma sentença negando a liberdade a um escravo. Argumentou que os
negros eram "de tal forma inferiores que não tinham qualquer direito que um
branco estivesse obrigado a respeitar". A Guerra Civil Americana começou
quatro anos depois.
Um autografo de Taney custa 500 dólares. O do negro Douglass, 750.
Não faria mal ao tucanato arrumar uma forma de preservar o direito dos
trabalhadores brasileiros de esperar que algum dia alguém possa contar o que
foi sua história.

Um governo forte demais para o gosto do PFL
O PFL já percebeu e não gostou. Com o estrago feito pela CPI dos títulos no
navio malufista e com os índices de popularidade que FFHH está acumulando, a
campanha eleitoral do ano que vem poderá ter características únicas.
FFHH entra na disputa sem adversário temível à esquerda ou à direita. Essa
situação já era perceptível há alguns meses. Agora se vê também que ele
poderá moldar sua campanha sem a necessidade de fazer o tipo de concessões
que habitualmente os candidatos fazem às alianças regionais. Poucos
governadores podem sonhar com a reeleição opondo-se a FFHH.
Em vez de se apresentar ao eleitorado com uma colcha de retalhos produzida
pelos acordos, ele joga na mesa uma plataforma e, quem quiser que vá atrás.
Os tucanos irão, porque além de enfeitar com seus papos o manto do monarca,
não têm outra ocupação política que possa lhes preencher o dia.
Já o PFL, mesmo que vá a reboque no vagão-restaurante, o fará a contragosto.
Dependerá do conservadorismo que FFHH tem na alma, em vez de depender
daquele que negocia no balcão.
Semelhante cenário só pode ser diluído por dois comportamentos.
Um é acusá-lo de levar o país a um colapso econômico, quer pelo câmbio
irreal, quer pela exacerbação do consumo. Não dá certo, porque já está
demonstrado que o eleitor prefere votar dez vezes em FFHH a se arriscar com
profetas de uma catástrofe que acabará prejudicando-o. (Se houver um estouro
antes da eleição, a conversa será outra.)
Outro comportamento, bem mais prático, será a busca do enfraquecimento do
governo jogando-se o debate da corrupção para dentro de seu quintal. Não
enfraquece a candidatura deFFHH, mas o obriga a reabrir a rodada de
negociações. Aquelas que acontecem nas conversas do Alvorada que vão até
tarde.

O risco do BNDES trocar ouro por bananas
O BNDES acha que está vendendo a Vale do Rio Doce por um preço justo, mesmo
desconhecendo-se o valor das reservas de cobre, ouro e urânio da formação
geológica chamada de Corpo Alemão, ao norte de Carajás.
(A região ganhou esse nome em homenagem a Décio João Keunemeyer, um desses
geólogos que passam a vida no mato. Ele morreu em 1995, antes de completar
40 anos.)
Há estimativas, de que no Corpo Alemão pode haver algo como 200 toneladas de
ouro. Se isso for verdade, será uma das maiores minas do mundo. Como a
descoberta é recente, pode ser que as projeções não passem de chutes.
Noutra jazida, a de Serra Leste, estima-se um mínimo de 150 toneladas e lá
os trabalhos de prospecção já duram alguns anos.
Levando-se em conta que um dos grandes interessados na compra da Vale é a
empresa sul-africana Anglo American, a maior mineradora de ouro do mundo, a
possibilidade de que todas essas contas sejam conversa de garimpeiro parece
exagêro.
Para que se tenha uma idéia do que vem a ser 150 toneladas de ouro, elas são
quase suficientes para formar um cubo com dois metros de lado. Ele equivale
à estimativa atual de todo o ouro que circulava na Europa no início do
século XVI. (Hoje, só o ouro guardado pelos bancos oficiais pesa 36 mil
toneladas.)

Lu Menezes
(Do livro Abre-te Rosebud)
Chove há mil e um dias
Soa longínqua
como a obsolescência dos alaúdes
a elegia
dos barcos na baía

(Barcos ancorados na chuva
de tão estóicos o teu olhar
desviam)

Ao largo, na lama, a alma
bordeja e sulca seu anagrama.

Olhava
Olhava pra colcha da cama
Quando o inopinado Amor
fez de uma cor confusa
o seu agente alentador,
a fugaz boca de pelúcia
que onde eu sofria me beijou

Instante
Instante gigante,
instante espaço do instante
onde ilocável fonte fornece
rara água erradia
tão rala que o coração
bebe de quatro
nu como um cavalo.

Bluma W. Vilar
(Do livro Álbum)
Dual
O corpo esquece rápido.
Só se lembra do que vê.
Ele é agora
ou nunca.
Na memória da pele,
permanece
o código morse
do toque.
Entre
Entre ele e ela,
palavras sem conta,
um livro numa linha
telefônica.
Entre ele e ela,
olhar queima palavras.
Entre ele e ela,
uma ígnea biblioteca.
Entre eles -
sinuoso xadrez à luz da pele.

Tenório Miranda
O senador Gilberto Miranda furou a bolha. Desde que a CPI dos títulos foi
instalada, ele é o sujeito oculto de boa parte das insinuações que rondam
seus trabalhos.
Isso lhe acontece porque presidia a Comissão de Economia, por onde deviam
transitar os pedidos de emissão de papéis. No caso de Santa Catarina, com a
concordância da Mesa, isso não sucedeu.
Acontece também porque no final do ano passado procurou o presidente da
República para ponderar que havia o risco de as investigações acabarem
batendo no próprio Governo. Errou o alvo.
Miranda informa que agora vai andar armado. Talvez não saiba, mas o último
parlamentar a distribuir ameaças de morte pelos corredores do Congresso foi
o deputado Tenório Cavalcanti.
Terminou seus dias criando galinha. Era mais de matar delegado em tocaia
noturna.

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