São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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HC muda psiquiatria para 'salvar' criança

NOELLY RUSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

B., 7, é miúda, morena e alegre. Reclama se tem fome e faz cara feia para os "nãos" que recebe da mãe.
Apesar da pouca idade, B. está internada pela nona vez no Instituto de Psiquiatria Infantil do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Ela nasceu depois do tempo. Quando isso acontece, o líquido amniótico, que envolve o bebê e possibilita sua respiração, pode secar e a criança deixa de receber oxigênio.
Por isso, a mineirinha B. nasceu com problemas mentais. Hoje, depois de cinco anos de tratamento, a mãe, Beatriz, 27, diz que ela "é uma criança quase normal".
Beatriz faz parte de um grupo de parentes que passaram a acompanhar a internação de menores, há um ano, quando o psiquiatra e diretor da ala infantil, Francisco Assumpção Jr., 45, começou a mudar o conceito de tratamento do lugar.
Assumpção abandonou a idéia de que o isolamento seja o caminho para cura. Prega o oposto: mais contato com a família. É também o caso de outros especialistas, como o neuropsicólogo espanhol José Léon-Carrión, da Universidade de Sevilha, e o psiquiatra norte-americano Boris Birmaher, da Universidade de Pittsburg, ouvidos pela Folha.
"O doente mental precisa de tratamento médico. A psiquiatria é uma especialidade médica. O doente mental é um paciente que vai ser tratado e receber alta para voltar ao convívio familiar", diz Assumpção.
Como B., outras crianças no HC passaram a receber um tratamento que mistura cada vez mais componentes biológicos e psicológicos.
Isso quer dizer que, se antes a depressão, por exemplo, era só um "estado de espírito", hoje ela é considerada uma doença, que foi causada simultaneamente por alterações químicas no cérebro do paciente e também por problemas no ambiente em que a pessoa vive.
Essa conclusão, que tem reunido profissionais, principalmente nos EUA e Europa, norteou as modificanções recém-implantadas na psiquiatria infantil. A internação só é aceita com acompanhamento dos pais, que aprendem a importância tanto da dosagem de uma eventual medicação quanto da manifestação de afeto pelo filho.
Sem receber verbas do Sistema Único de Saúde (SUS), o instituto ganhou da Escola Pan-Americana de Arte tintas e voluntários que redecoraram tudo. As paredes têm desenhos de carros e receberam cores alegres. O lugar ganhou uma brinquedoteca, que ajuda nos diagnósticos e tratamento.
O objetivo das mudanças não é estético. É alternar as sessões de medicamentos, fonoaudiologia, psicoterapia e, às vezes, sono induzido, com terapias que facilitam, se possível, o reencontro das crianças com a realidade.
Outro objetivo é recuperar o credenciamento no SUS, perdido em 92. Estar credenciado no SUS significa cumprir uma lista de determinações para receber verbas.
"As mudanças ocorreram a despeito de críticas. Mas é preciso lembrar que apesar de doentes, os pacientes são crianças. Disseram que estávamos transformando o local em parque. Estamos mesmo. Queremos que essas crianças tenham, na medida do possível, um ambiente bom para crianças e não para loucos", diz Assumpção.
Para ele, a melhor notícia é que o tempo de internação caiu e a reinternação só chega a 5%.

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