São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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'Criança se torna bode que fede em casa'

NOELLY RUSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos problemas enfrentados pelo Instituto de Psiquiatria Infantil do HC era o abandono sistemático de crianças no local.
"A criança com problemas mentais, de qualquer gravidade, se torna o bode que fede dentro de casa. Um dia alguém tira o bode da casa e as pessoas se sentem bem. O mesmo acontecia com as crianças", diz Francisco Assumpção, 45, diretor da ala infantil.
Segundo ele, os pais, muitas vezes não sabem o que fazer com uma criança que apresenta problemas mentais. Afirma que principalmente as que sofrem psicoses graves -quando podem se machucar ou aos outros- precisam de cuidado todo o tempo.
"E se um pai tem vários filhos, o que faz? Esquece todos para cuidar só de um? Deixa esse de lado? É uma situação muito difícil, mas não cabe ao hospital o papel de asilo", diz Assumpção, que defende que a criança curada ou em estado estável deve deixar o ambiente em que conviva com não-saudáveis.
"Tivemos uma criança aqui, enviada por uma entidade estadual. Tinha depressão grave. Foi tratada e ficou bem. Estava apta a conviver socialmente. Foram cinco meses até que a instituição tirasse a menina daqui", diz Assumpção, que não revela o nome da entidade.
"Esse foi um dos motivos de só admitirmos menores acompanhados. Se for criança de rua, a instituição designa alguém para ficar com ela. Assim que se curar, a criança deixa o local."
Um outro motivo é cumprir orientação do Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê o acompanhamento. "Antes um caso grave precisava esperar a autorização judicial para a internação. Imagine quanto tempo se perdia."
Assumpção diz ainda que a internação não deve ser feita porque o pai não tem onde deixar o filho ou não sabe o que fazer com ele.
"A internação, principalmente no caso de crianças, é o último recurso. Tem de ser terapêutica, não assistencial. Pelo menos não em um hospital." O instituto abriga hoje 15 crianças, com acompanhantes, e possui ainda outras cinco vagas reservadas para eventuais casos de emergências.
"Painho"
Para Zazi Zanuzzo, 49, médico e supervisor da enfermaria, onde estão internadas as crianças, a diminuição no número de internos conseguiu fazer com que o atendimento melhorasse muito.
Ele trabalha há 24 anos no HC e acredita que o local é atualmente um dos melhores para o atendimento de casos graves.
"Aqui temos casos muito graves. As crianças precisam de tratamento. Infelizmente, às vezes, de internação. Mas, quanto mais curto o período, melhor."
Zanuzzo é quem, com toda a equipe de enfermagem, acompanha o dia-a-dia dos internos.
"É preciso verificar desde o horário das medicações, se for o caso, até orientar pacientes menos graves ou em final de tratamento."
Para M. 13, enviado à instituição pelo S.O.S. Criança, com problemas graves de conduta -agressividade, entre eles- Zanuzzo é o "painho", a quem solicita de minuto a minuto.
Teste
Para o professor-titular e presidente do Conselho Diretor do Instituto de Psiquiatria do HC, Valentim Gentil Filho, as mudanças da ala infantil ainda são consideradas como um projeto-piloto que promete trazer bons resultados.
Ele afirma que todo o projeto é acompanhado de perto. "Ainda não sabemos se é o modelo ideal. Não temos como avaliar se será um sucesso ou se vai sofrer alterações. Os primeiros resultados apontam que as mudanças foram para melhor."

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