São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Os avanços na solução para o petróleo

LUIZ GONZAGA BERTELLI

A proposta do deputado Eliseu Resende, aprovada na Câmara dos Deputados, substitui com vantagens o anteprojeto de lei da flexibilização do monopólio do petróleo encaminhado ao Congresso Nacional pelo presidente da República.
Ao acatar dezenas de emendas, o substitutivo reduz o poder, hoje quase absoluto, exercido pela Petrobrás sobre a política do petróleo e de combustíveis, que passará a ser dividido entre o Conselho Nacional da Política Energética e a Associação Nacional do Petróleo.
Esse novo modelo de gestão do setor altera substancialmente -e para melhor- a versão apresentada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e significa uma revisão mais profunda da famosa lei 2.004/54, que há 42 anos criou a estatal do petróleo.
Até a aprovação no Senado e a sanção presidencial, entretanto, o substitutivo deverá continuar esbarrando na ação de fortes, bem montados e ativos lobbies, ligados a grupos de esquerda, dos chamados nacionalistas e de políticos fisiológicos, que lutam pela manutenção dos poderes e privilégios da Petrobrás.
Na prática, o substitutivo tem livre de discussão apenas os dispositivos do artigo 1º, que estabelecem, como objetivos para a política energética nacional, a proteção do consumidor quanto à qualidade do combustível, a preservação do meio ambiente, a conservação de energia e o estímulo ao uso do gás natural.
Já quando contempla alguns outros objetivos, como a utilização de fontes alternativas (álcool e biomassa energética) e a promoção da livre concorrência, esse mesmo artigo 1º abre o flanco para o ataque de lobbies que, por diversas razões, preferem manter tudo como está, apesar dos riscos apontados, de colapso na área energética, e dos desejos da maioria da sociedade.
Foi aprovada a criação do Conselho Nacional de Política Energética, subordinado diretamente à Presidência da República e presidido pelo ministro de Minas e Energia, com a tarefa de planejar o aproveitamento racional dos recursos energéticos brasileiros; assegurar o abastecimento de regiões distantes, submetendo ao Congresso qualquer eventual concessão de subsídios; rever a matriz energética, considerando as fontes tradicionais e as alternativas; estabelecer diretrizes especiais para gás natural, álcool, carvão e energia nuclear, e garantir a formação de estoques estratégicos de combustíveis, visando à regularidade do fornecimento.
O grande desafio para o Conselho de Política Energética será criar as condições para o aumento rápido da produção de petróleo, de forma a diminuir o alto grau de dependência externa, pois a produção da Petrobrás atende hoje somente a pouco mais de 50% das necessidades do mercado interno.
Na conta dia-a-dia, o Brasil está importando cerca de 700 mil e consumindo 1,6 milhão de barris a cada 24 horas, patamares que revelam acentuada tendência de elevação e representam uma despesa que pode transformar a relação importação/exportação: as reservas brasileira identificadas até agora totalizam 14 bilhões de barris, quantidade suficiente apenas para cerca de 20 anos de consumo nos níveis atuais.
Uma das saídas para o impasse, que cada vez ganha maior força, é a efetiva flexibilização do monopólio, para permitir o investimento privado em prospecção, exploração e refino do petróleo.
A Petrobrás está investindo em torno de US$ 3 bilhões anuais, quando necessitaria aplicar, pelo menos, US$ 5 bilhões. Para administrar o setor na nova realidade de mercado, o substitutivo mantém a proposta do Executivo que cria a Agência Nacional do Petróleo (ANP), com prazo de 120 dias para instalação, contados a partir da promulgação da nova lei.
Embora subordinada ao Ministério de Minas e Energia, a ANP será controlada diretamente pela Presidência da República, o que fortalece seu papel de órgão regulador e de representante do poder concedente, no caso, a União.
A fim de garantir a independência necessária à boa atuação de um órgão regulador, o projeto estabelece algumas condições para a escolha dos cinco diretores e um procurador-geral, que, nomeados pelo presidente da República "ad referendum" do Senado, comandarão a ANP.
Seus mandatos serão de quatro anos e não coincidentes, só se admitindo a exoneração por improbidade administrativa, decisão também sujeita a aprovação dos senadores.
Além disso -cautela importante para evitar alguns problemas já velhos conhecidos dos brasileiros-, pessoas vinculadas ao setor do petróleo (dirigentes de empresas, sindicatos e associações de classe), nos 12 meses anteriores à data da designação, ficam impossibilitadas, por lei, de assumir o cargo de diretor. Ao sair, eles terão também de respeitar uma "quarentena" de 12 meses sem atuar na iniciativa privada.
A nova lei transfere da Petrobrás a propriedade das reservas de petróleo e gás natural no continente e no mar territorial para a União, que manterá o monopólio de pesquisa, refino, transporte (incluindo dutos) e importação/exportação de petróleo e derivados.
A novidade é que, a partir da promulgação da lei, tais atividades poderão ser exercidas pela iniciativa privada por concessão do poder público, sob administração da ANP.
Um ponto é pacífico: por força do compromisso do presidente Fernando Henrique com o senador José Sarney, a Petrobrás não será privatizada em seu governo.
A União manterá o controle acionário, com a posse de 50% mais uma ação do capital votante, abrindo-se a possibilidade de participação de investimentos privados, nacionais e/ou estrangeiros, pela compra de ações ordinárias, que dão direito a voto. Para o líder do PFL, Inocêncio de Oliveira, a manutenção da empresa como estatal constituiria uma aberração jurídica em uma economia de mercado.
O texto do projeto de lei concede 36 meses para que os produtores e distribuidores de petróleo e derivados se ajustem à nova realidade de mercado. Nesse período, os preços serão, ainda, controlados pelos ministérios da Fazenda e de Minas e Energia em conjunto e, somente após essa etapa, ocorrerá a liberação total dos preços.
Esse "prazo de carência" tem sua raiz na complexa questão do corte dos subsídios ao setor. A abertura das importações está condicionada ao fim desses subsídios cruzados concedidos pelo Tesouro Nacional. Portanto, ao que tudo indica, somente a partir do ano 2000 os preços dos combustíveis no mercado interno poderão alcançar os patamares internacionais.

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