São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Hora de trabalhar

OSIRIS LOPES FILHO

A reforma administrativa proposta pelo governo federal é um monumento exemplar ao oportunismo demagógico e ao primarismo técnico.
O oportunismo manifesta-se pela repetição de técnica fascista introduzida pelo governo Collor. Elegem-se bodes expiatórios. No caso, o servidor público.
Trata-se de se atribuir ao servidor público a responsabilidade pela insuficiente e claudicante prestação de serviços públicos essenciais em que até agora o presidente FHC não colocou suas "mãos à obra" -educação, saúde, previdência, segurança, assistência social.
O primarismo técnico reside na pobreza e miséria da proposta: acabar com a estabilidade do servidor público e estabelecer-se teto para seus vencimentos, alcançando os três Poderes da República, o que a Constituição já prevê.
A derrocada da estabilidade do servidor público evidencia o que já é um traço marcante do governo que está aí: o desprezo pela ordem jurídica e suas instituições.
A legislação vigente prevê inúmeras hipóteses (19) em que se pode aplicar a pena de demissão do servidor infrator, mesmo nos casos em que ele tenha estabilidade. Vale a pena enunciá-las para que se tenha noção do descaso e preguiça governamental na aplicação da legislação vigente: crime contra a administração; abandono de cargo; inassiduidade habitual; improbidade administrativa; incontinência pública; insubordinação grave; ofensa física, em serviço; aplicação irregular de dinheiros públicos; revelação de segredo oficial; lesão nos cofres públicos; acumulação ilegal de cargos; valer-se do cargo para lograr proveito pessoal; participar de gerência ou administração de empresa privada, de sociedade civil, ou exercer comércio; atuar como procurador ou intermediário, junto à repartição pública; receber propina; aceitar comissão, emprego ou pensão de Estado estrangeiro; praticar usura; proceder de forma desidiosa; utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares.
Há, portanto, instrumentos legais para a demissão do funcionário corrupto, ineficiente, desidioso, inassíduo.
Para fazê-lo, necessita-se de instaurar o processo administrativo correspondente. Dá trabalho, reconheça-se. Mas é para isso que há governo. Governar não consiste em flanar nas nuvens em constantes viagens.
Mãos à obra, presidente.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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