São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Latinos já se integram aos EUA

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A estratégia de diplomacia econômica brasileira consagrou a noção de "global trader" (comerciante global). O caráter "global", no caso, vem do país manter laços comerciais importantes com EUA, Europa e Ásia, além de abrigar investidores estrangeiros com origem nesses vários pólos.
A consequência dessa visão estratégica tem sido apresentada como uma espécie de desdobramento das velhas teses do não-alinhamento. O mesmo enfoque explica a polêmica recente com os EUA. O Brasil, em nome de um cronograma regional prévio, a partir do Mercosul, tomou posição contra a aceleração da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
No limite, o governo brasileiro estaria retomando velhos projetos de hegemonia regional, sul-americana e mesmo pan-americana. Resta saber se essa lógica, que parece encaixar como uma luva na estrutura econômica brasileira, combina também com as tendências mais recentes da estrutura produtiva latino-americana.
Veja-se o exemplo da América Central. O México tem uma pauta exportadora notoriamente concentrada no mercado norte-americano. O tipo de inserção que vem sendo conseguida pelas economias centro-americanas fica evidente com uma pesquisa da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal, da ONU), divulgada na semana passada.
O México e os países da América Central conseguiram a proeza de destronar os asiáticos no mercado de produtos têxteis dos Estados Unidos, um negócio onde giram US$ 36 bilhões por ano.
Segundo o relatório, os asiáticos passaram a ocupar outros nichos de mercado, oferecendo produtos com maior valor adicionado e mais intensivos em tecnologia. Os latinos teriam ainda obtido o benefício de tarifas favoráveis.
O raciocínio vale apenas para a América Central? Há poucas semanas, num seminário em Fortaleza, ouvi autoridades locais entusiasmadas com a perspectiva de transformar o Estado em plataforma exportadora para os EUA, disputando espaço com a América Central. Segundo um economista, Fortaleza estaria mais próxima de Miami do que de São Paulo.
É o modelo das "maquiadoras". Muitas delas, aliás, montadas na América Central por empresas asiáticas, como por exemplo coreanas e taiwanesas.
Alguns dados interessantes sobre o setor foram publicados na edição de fevereiro da revista "América Economia". O custo da mão-de-obra por hora, em dólar, ficou em 0,4 no sul do México, 0,5 na Nicarágua e 0,58 em Honduras. Entre 1995 e 1996, as exportações de confecções centro-americanas para os EUA deram um saldo de 39% no México, 104% na Nicarágua e 31% em Honduras. Somente as exportações de confecções mexicanas alcançaram US$ 3 bilhões no ano passado.
Esses exemplos mostram pelo menos duas coisas. Primeiro, uma industrialização que se ampara em baixos salários. Segundo, uma forte dependência do mercado norte-americano.
Outros relatórios recentes da Cepal reforçam essa impressão de integração ao Norte a partir de plataformas econômicas de baixa tecnologia, industriais ou não. Para a entidade, o atraso competitivo pode até mesmo converter-se em vantagem "se a ortodoxia neoliberal não inibir políticas de fomento adequadas".
A ONU desenvolve desde 1991 um programa de computador para analisar as tendências do comércio regional (conhecido como "Canplus", de análise da competitividade dos países). Os fluxos são analisados tomando por base cinco mercados de referência (América do Norte, Europa Ocidental, Japão, OCDE e a própria América Latina) e 239 setores econômicos entre 1975 e 1995.
Alguns dos resultados recentes desmontam, por exemplo, a hipótese de que a América Latina teria alguma tendência a fortalecer seus laços comerciais internos. Entre 1980 e 1994 as exportações de produtos industrializados dentro da região cresceram 23,5%. Para o Japão, a alta foi de 40,8%, e para a Europa Ocidental, de 55%.
Seria a América Latina, como um todo, candidata a "global trader"? Não, levando-se em conta que para a América do Norte o aumento da exportação de manufaturas foi de 165% em igual período.

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