São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Epidemia de vaias varre os estádios da cidade

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Há uma epidemia de vaias varrendo os estádios da cidade. Se vista assim à distância, até que se justifica. Afinal, neste campeonato, se desenrolam mais joguinhos chinfrins do que espetáculos emocionantes.
Mas é esse mesmo o resultado da massificação do nosso futebol: produto em série jamais terá o mesmo brilho e igual valor de uma obra exclusiva, fruto do engenho, arte e paciência. Enquanto prevalecer o princípio de excesso de jogos classificatórios, desinteressantes pela própria natureza, a vaia da torcida será cada vez mais estridente.
Contudo, se dermos um zoom nessa panorâmica para fecharmos em close na mímica de Djalminha, dizendo à torcida que não estava ouvindo os aplausos que merecia, pode-se desdobrar uma série de imagens reflexivas que levam à outra conclusão.
Sobretudo, se aumentarmos o som do rádio ou da TV, para ouvirmos melhor a diatribe da mídia, que prefere sempre cortejar o torcedor, aquele que, em última análise, lhe dá maior ou menor audiência.
Foi um clamor só: o torcedor paga, portanto tem o direito de vaiar; cabe, pois, ao jogador, baixar a cabeça, pleno de vergonha, enfiar o rabo entre as pernas e sair correndo atrás da bola, pois é para isso que lhes pagam verdadeiras fortunas.
Nada mais abjeto, já que tal postura, se não nos remete diretamente ao Coliseu romano, onde homens, mulheres e bichos pagavam com sangue o prazer pervertido de seus senhores, chega perto. Pior, porque vem numa embalagem de equivocada modernidade. Sugere a combinação ideal de vesgos princípios democráticos com a eficiência tecnológica dos novos tempos: vaia é o direito do consumidor diante de um produto que lhe é vendido com imperfeições de fábrica.
Nesse caso, os uivadores deveriam elevar seus protestos aos céus, lar do Grande Arquiteto, como dizem os maçons, responsável por essas peças tão imperfeitas: o ser humano.
Na verdade, quem compra um ingresso de futebol está comprando o imprevisível de um jogo disputado por 22 seres imperfeitos em torno de uma esfera, que, como tal, não tem direção exata, sob intensa tensão emocional e dentro de um grau de dificuldade extremo, posto que jogado com os pés, que, para a esmagadora maioria das pessoas, mal serve para mantê-las eretas.
Seria, guardadas as proporções, o mesmo que comprar um bilhete de loteria ou uma rifa de TV. Apesar de tanta imponderabilidade, o que esses craques conseguem nos oferecer, vez por outra, são momentos mágicos, de inexcedível competência. Entre eles, há os heróis, os artistas, os malandros, os sábios, os idiotas, os violentos, os traíras, todos os tipos que colheremos nas arquibancadas, enquanto a câmera passeia numa lenta panorâmica.
Resumindo: a vaia das arquibancadas, no fim, dirige-se a si mesmo. Com uma diferença: se jogarmos uma bola para cada um dos milhares de torcedores ali presentes, aí sim, teremos um espetáculo tão bizarro que arrancará vaias dos próprios deuses do Olimpo.
*
Fiquem ligados: o Excel tem no gatilho mais duas contratações de impacto. É só esperar.

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