São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Indústria da construção de notícias

SÉRGIO SANT'ANNA PEGORARO

No início do atual governo, burocratas de plantão no Ministério de Planejamento e Orçamento e na Caixa Econômica Federal (CEF) resolveram entre si e anunciaram ao país que os culpados pela falência do Sistema Financeiro da Habitação eram os incorporadores e construtores imobiliários.
Geraram um plano de financiamento habitacional que prescindia da "indesejada" figura do empreendedor imobiliário. O interessado em adquirir sua casa iria direto à CEF, habilitar-se-ia ao financiamento, receberia uma carta de crédito e iria ao mercado comprar o que bem lhe aprouvesse.
É claro que as entidades empresariais protestaram com veemência pela absurda acusação e pelo pouco inteligente plano.
Ora, imaginar que um cidadão com renda familiar de até 12 salários mínimos poderia organizar-se burocraticamente -sozinho ou em grupos-, mobilizar os recursos que se diziam disponíveis, contratar a execução de sua moradia, entre outras tarefas, era antes de tudo manifestação de desconhecimento da realidade, própria de quem vive ilhado em Brasília, divorciado do restante do país.
Além disso, esses burocratas pressupunham que havia uma enorme quantidade de imóveis em oferta no mercado, desconhecendo um fator básico da indústria imobiliária: não havendo financiamento de longo prazo, não há imóveis em oferta. Essa é a nossa realidade desde a absurda atitude de fechar o BNH, em 1985.
Nos dois últimos anos foram anunciados vários desses planos -Carta de Crédito, Carta de Crédito Associativa, Pró-Moradia etc... A cada mudança de vírgula nas regras, a imprensa era convocada a Brasília e as notícias revelavam, pela repercussão, o enorme interesse da população. Pouco a pouco, porém, o povo sentiu que estava sendo enganado.
O dinheiro, se havia, não estava disponível, seja pela clara falta de vontade política de aplicá-lo, seja pelos emperramentos burocráticos impostos ao cidadão. Quando afinal obtinha a aprovação para um financiamento, frustrava-se pela inexistência do que comprar.
De prático, o que ocorreu após os "lançamentos" desses planos que seriam a redenção da crise habitacional? Quantas cartas de crédito foram usadas? Quantas habitações foram construídas? Quantos empregos foram gerados?
A dotação orçamentária dos programas Cartas de Crédito Individual e Associativo em 95 e em 96 somou R$ 3,1 bilhões. Houve 1.031.099 inscritos, 242.985 cartas emitidas e apenas 33.269 contratos assinados, no valor de R$ 489,1 milhões -15,78% do orçamento.
São dados do Ministério de Planejamento e Orçamento e espelham a situação dos programas Carta de Crédito em 17/02/97.
Todos que têm a compreensão global de um sistema habitacional sabem que é impossível atender a demanda por moradia num país extremamente carente sem a presença do industrial, do construtor, do empreendedor imobiliário.
Se, no entanto, o presidente Fernando Henrique Cardoso objetiva desenvolver a indústria da construção de notícias, a missão está em mãos muito competentes.

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