São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Um grito contra economistas e políticos

ANTONIO NEGRI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Lançado em meados de novembro passado, o livro "L'Horreur Economique" ("O Horror Econômico), de Viviane Forrester, no final de 1996 já tinha vendido na França 155 mil exemplares. Uma venda destas, que possivelmente prosseguiu em 1997, é totalmente extraordinária no mercado livreiro francês, que -mesmo sendo capaz de "exploits" extraordinários- permanece sendo um mercado limitado. Por quê? Para responder a esta pergunta é preciso, antes de mais nada, perguntarmo-nos o que conta o livro, isto é, o que seria o "horror econômico".
Ora, para Viviane Forrester, o horror econômico é, pura e simplesmente, o que outros autores (Gorz, Rifkin, Castel etc.) denominam o "fim do trabalho", isto é, a constatação de que a automação do trabalho industrial e a informatização do social impõem uma irrefreável queda ocupacional, no mesmo instante em que desenvolvem um aumento da produtividade do trabalho e, portanto, da massa de lucro. As sociedades tornam-se opulentas e os capitalistas tornam-se cada vez mais ricos -mas ao mesmo tempo as vagas decrescem inexoravelmente: ou melhor, a economia política do capital, ao atingir este grau de desenvolvimento, tornou-se uma máquina de destruição, maciça e irreversível, do trabalho.
Viviane Forrester, neste livro, grita a sua indignação contra os políticos e os economistas que, conhecendo este destino, fingem considerá-lo uma crise passageira. Viviane Forrester não é uma economista, é somente uma mulher letrada, conhecida por ter escrito sobre Van Gogh ou sobre temas éticos ("La Violence de la Calme", um belo livro, realmente). No livro sobre o horror da economia política, Forrester conseguiu concentrar o sentimento da violência sofrida pelos cidadãos (franceses, mas certamente não só eles), quando um desenvolvimento econômico (agora, já totalmente irracional) lhes é imposto como a única, a exclusiva lei à qual é necessário se submeter.
Mas há outras razões para o sucesso deste livro, um sucesso que o qualifica mais como um fenômeno de sociedade do que como um fenômeno editorial. Creio, de fato, que, além de ter explicado aos seus leitores com simplicidade porque na nova fase do desenvolvimento capitalista não haverá mais trabalho, Viviane Forrester capta a atenção dos leitores por produzir um verdadeiro ato de acusação contra os "experts". Em parte já o dissemos: políticos e economistas fingem considerar o fim do trabalho uma crise passageira! Mas, neste caso, não se trata somente de denunciar a falsidade da afirmação destes homens: trata-se de assumir o sistema político, por completo, como responsável pela falsificação "científica" (por assim dizer) da experiência real. Os "experts", segundo Viviane Forrester, são feitos para armar uma ideologia falsificadora e destrutiva. (É verdade que a estrutura jacobina do poder republicano francês está sumamente exposta a esta acusação: mas também é verdade que, nesta nossa época de "experts" na direção de todas as grandes instituições econômicas, nacionais e internacionais, bancárias e financeiras, a denúncia pode ter espaço...).
Viviane Forrester nem é revolucionária, nem marxista. O sistema capitalista é o seu único horizonte de esperança -e, antes ainda, de conhecimento. Quando ela desenvolve a sua polêmica, sabe que não tem saída. A sua declaração é de impotência. Forrester insiste no impasse do desenvolvimento capitalista: as pessoas que compram o seu livro, a correspondência que ela recebe (publicada posteriormente) são concorde com o seu pessimismo. Temos assim a confirmação de que estamos diante de um fenômeno de sociedade, de um fenômeno de sociedade duro, ou seja, diante da desesperada generalização da percepção da crise e de um sentimento de impotência.
O que dizer? Como avaliar esta situação? Alguns críticos sustentaram que, se o livro cristalizou o mal-estar dos franceses (e de muitos outros europeus) diante dos mais recentes desdobramentos econômicos, ainda assim é inútil, quando não perigoso, o fascínio diante da obra: o livro produziria uma espécie de embriaguez de pessimismo... E é disto, acima de tudo, que não necessitamos, acrescentam. Outros críticos foram especialmente sensíveis à denúncia do atual cinismo das ciências sociais (econômicas e políticas) e convidaram a uma reforma. Outros, enfim, notaram que a adesão à denúncia de "horror econômico" tornou-se uma cerimônia expiatória, um momento de libertação dos pesos econômicos da vida diária...
Trata-se de pontos de vista diferentes que, no entanto, têm um único valor irônico : o de evitar a essência do discurso de Forrester. Em minha opinião, é justamente com aquela essência que é preciso se defrontar. Isto é, com o fato (provavelmente detestável) de que no sistema econômico em que vivemos o aumento da riqueza corresponde à determinação de desigualdades cada vez mais profundas; e, mais ainda, que qualquer tentativa de redistribuição das riquezas em direção aos mais necessitados bloqueia o mecanismo de desenvolvimento, empobrece a nação que queira se empenhar neste objetivo. O horror econômico não consiste somente no fato de que o capitalismo existe, mas sobretudo no fato de que hoje este já não consegue criar trabalho. Portanto, a função progressiva do desenvolvimento capitalista (sobre a qual os marxistas tanto insistiram) terminou.
Perceber que esta consciência tornou-se de massa (como o sucesso do livro de Viviane Forrester pode sugerir) é, antes que sinal de impotência e de embriaguez de pessimismo, indício de um estado de sanidade da consciência comum. O homem qualquer não aguenta mais o horror econômico. É preciso mudar.

Tradução de Roberta Barni.

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