São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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China tenta se infiltrar no governo dos EUA

TAD SZULC
DO "INTERNATIONAL PRESS SYNDICATE"

Dois anos atrás a China lançou uma extraordinária operação secreta visando infiltrar a administração Clinton e o Congresso, com o intuito de obter informações sigilosas vitais relativas à política dos EUA em relação a Pequim, utilizando contribuições à campanha eleitoral para conquistar acesso no mais alto nível possível.
Simultaneamente, os chineses tomaram iniciativas, sem alarde, para conquistar o controle decisivo da multibilionária economia de Hong Kong antes do retorno da colônia britânica à China, previsto para o próximo 1º de julho. Hong Kong possui enorme importância estratégica, política e econômica para Pequim.
Evidentemente, não existe conexão direta entre essas duas operações, e provavelmente outras, semelhantes, que ainda não vieram à tona. Mas o fato mais notável e intrigante acerca delas é que parecem haver sido orquestradas pelo mesmo homem em Pequim -uma figura virtualmente desconhecida fora de seu país, mas que desempenha papel central no planejamento da estratégia político-econômica mundial chinesa.
Trata-se de Wang Jun, presidente dos dois mais poderosos conglomerados industriais, militares e empresariais do governo chinês. Um deles é o China Poly Group, o veículo de investimentos do Exército de Libertação Popular, e sua subsidiária, a Poly Technologies Inc., especializada na manufatura e vendas mundiais de armas que abrangem desde tanques e mísseis até fuzis AK-47. O outro é a China International Trust & Investment Corporation (Citic), a principal organização de investimentos de Pequim, cuja subsidiária, a Citic Pacific, é a mais importante companhia financeira e de investimentos de Hong Kong.
Casa Branca
Wang Jun também é o homem que Clinton recebeu num ato para contribuidores de sua campanha promovido na Casa Branca no dia 6 de fevereiro de 1996, atendendo ao pedido de Charlie Yah Lin Trie, ex-dono de restaurante em Little Rock, Arkansas, e hoje empresário com escritórios em Pequim e Washington.
Ele tem vínculos estreitos com o grupo Lippo, um conglomerado indonésio de US$ 12 bilhões que pertence a uma família de origem chinesa estreitamente associado à China e que, por meio do banco Lippo, de sua propriedade, fez contribuições à campanha de Clinton em 1996.
Trie, 44, cidadão americano que Clinton conheceu em Little Rock, recebeu em 1984 um empréstimo de US$ 60 mil da Lippo Finance and Investment Company, subsidiária da Lippo Holding Company. No ano passado ele tentou fazer uma contribuição de US$ 639 mil para o fundo de defesa legal de Clinton e para a campanha presidencial, mas essas contribuições foram rejeitadas devido a irregularidades.
Depois de Wang Jun ser recebido na Casa Branca, foi identificado em reportagens de jornais americanos como chefe de uma companhia chinesa que compra e vende armas e que foi suspeita de contrabandear um carregamento de fuzis AK-47 para os EUA.
Um porta-voz do Comitê Nacional Democrata explicou que Wang Jun havia sido convidado como "favor prestado a Charlie" Trie, mas o presidente afirmou, mais tarde, que levar um comerciante de armas à Casa Branca foi "inapropriado".
Portas abertas
Trie era membro de um grupo de americanos de origem chinesa com acesso fácil à Casa Branca e laços estreitos com Pequim. Os outros integrantes do grupo são John Huang, ex-executivo do banco Lippo na Califórnia, ex-vice-subsecretário do Comércio e importante agente de levantamento de fundos para a campanha eleitoral, e Johnny Chung, empresário californiano com interesses na China e também ativo no levantamento de fundos.
Os três tinham tido ingresso na Casa Branca autorizado dezenas de vezes (no caso de Chung, foram 51) e tinham acesso a materiais relativos à política da administração.
Não há razão para acreditar que Clinton tivesse idéia da verdadeira importância de Wang Jun -o mesmo pode ser dito da equipe do Conselho de Segurança Nacional e o FBI o tivessem. Na verdade, segundo a melhor reconstrução desse caso bizarro que se pode fazer no momento, ninguém do governo norte-americano se deu conta, em qualquer momento, do porquê de Pequim estar tão interessada na política eleitoral norte-americana.
Quando, no final do ano passado, começaram a vir à tona as notícias das contribuições chinesas e de outros países asiáticos e dos favores concedidos pela Casa Branca a esse grupo de doadores, a hipótese mais amplamente aceita era que a China estaria buscando influenciar as eleições presidencial e parlamentar para conseguir concessões políticas de alguma espécie dos EUA.
No final da primavera passada, entretanto, o setor de contra-inteligência do FBI começou a desconfiar que o verdadeiro objetivo dos chineses era obter informações sigilosas relativas à política externa e comercial americana e que a melhor maneira de consegui-las seria ganhar acesso a figuras específicas da administração e congressistas específicos. E, segundo esse raciocínio, a melhor maneira de conseguir esse acesso seria fazendo contribuições que, por sua vez, poderiam levar a contatos pessoais e conversas com figuras chaves do governo, que participam do processo decisório.
Em junho passado, o FBI teria se convencido de que três senadores e três deputados haviam sido "visados" pelos chineses para contribuições à campanha e consequente acesso -e que a própria Casa Branca também foi "visada"-, embora não esteja claro se, nesse momento, a polícia federal já estivesse ciente do fato de que Pequim estava mais interessada em obter informações políticas do que em "comprar influência".
Desconfiança
Não se sabe como o FBI primeiro desvelou essa operação chinesa, mas, segundo algumas fontes, o órgão começou a desconfiar de sua existência em 1995, possivelmente ao tomar conhecimento, no final daquele ano, de que Pequim havia formado um "Grupo Líder Central de Trabalho no Congresso dos EUA", ao qual foi confiada a tarefa de realizar o plano de obtenção das informações.
Acredita-se em Washington que o conceito inteiro foi elaborado por Wang Jun, enquanto sua implementação foi assumida pelo Ministério da Segurança Pública, pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo "Grupo Central de Trabalho". As desconfianças do FBI parecem ter sido confirmadas por conversas telefônicas interceptadas da embaixada chinesa em Washington pelo departamento de contra-inteligência do FBI e pela Agência Nacional de Segurança.
Mais ou menos à mesma época, o FBI passou informações a dois integrantes do Conselho Nacional de Segurança, informações que o presidente Clinton afirma jamais ter recebido.
Não está claro se, nesse ponto, o FBI já tinha conhecimento da posição ocupada por Wang Jun na hierarquia de Pequim. Tampouco está claro por que, tendo em vista a natureza delicada de seus cargos, ele optou por se fazer convidar para a Casa Branca. E tampouco se sabe o que mais ele fez nos EUA.
Uma explicação possível talvez seja que o Exército de Libertação Popular, operando por meio do China Poly Group e de outras organizações que controla, tenha se tornado, nas palavras de um especialista em China, "uma máquina de fazer dinheiro", que dirige entre 15 mil e 20 mil empresas na China e no exterior e que teria, segundo consta, tido lucros de no mínimo US$ 1 bilhão em 1993.

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