São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Pequim prepara 'ocupação econômica'

TAD SZULC
DO "INTERNATIONAL PRESS SYNDICATE"

À medida que organizações sob controle chinês continuam comprando participações acionárias de empresas estratégicas de Hong Kong, na véspera do retorno da colônia ao controle de Pequim, depois de 155 anos de domínio britânico, as questões que se colocam são quando e como os nacionalizadores chineses poderão tentar assumir controle do patrimônio norte-americano lá existente.
Em Hong Kong, sua subsidiária Continental Mariner Investment é uma das empresas cujas ações são mais valorizadas na Bolsa local, tendo dobrado de valor desde dezembro passado. Trabalha em cooperação com a Citic Pacific, subsidiária da Citic principal de Wang Jun, e com o grupo Lippo.
Em um ano, todos esses conglomerados têm desempenhado um papel-chave na conquista do controle de ativos estratégicos -desde sua companhia aérea principal, a Cathay Pacific, até as principais companhias de eletricidade e comunicações.
A China Light and Power Company, que pertence à família Kadoorie, outro tradicional conglomerado que controla o setor de fornecimento de energia elétrica em Kowloon e outros setores da colônia situados no continente, concordou, no início deste ano, em permitir que a Citic lhe pagasse US$ 2,1 bilhões por 6,4% de sua participação acionária, reduzindo a participação da família Kadoorie de 33% para 26,6%. Hoje a Citic controla a companhia elétrica, por meio de sua participação de 25%.
A Citic também possui 8% da Hong Kong Telecommunications, a companhia telefônica da qual a britânica Cable & Wireless é dona de 58% das ações. E outro império de Hong Kong que vê com bons olhos a "invasão" de Pequim, a Cheung Kong Infrastructure, adquiriu, no início deste ano, o controle da Hong Kong Electric, que detém o monopólio da energia elétrica na ilha de Victoria, a região central da colônia.
Mas os interesses americanos em Hong Kong também são bastante consideráveis. Eles compreendem quase US$ 14 bilhões em investimento direto e US$ 50 bilhões em bens em bancos (o total de depósitos nos 154 bancos de Hong Kong chega perto dos US$ 300 bilhões, 25% no Banco da China, em Pequim). Aproximadamente 1.100 empresas norte-americanas na colônia empregam 250 mil trabalhadores, quase 10% do total da força de trabalho. Mais de 36 mil cidadãos americanos vivem e trabalham na colônia, um pouco mais que o número de britânicos.
Em circunstâncias normais, mesmo após Hong Kong se tornar a Região Autônoma Especial (RAE) -sob os termos do acordo anglo-chinês que prevê a transferência da soberania para este verão-, é provável que companhias americanas sejam abordadas por chineses querendo comprar participações majoritárias ou minoritárias por razões puramente econômicas. Aqueles que não têm planos de expansão para a China estariam presumivelmente livres para concordar ou discordar por motivos comerciais; nenhum deles é um monopólio, e não é esperada uma pressão política séria sobre eles.
Compromissos
A situação mudaria de maneira significativa, entretanto, se Pequim violar seus compromissos de preservar por 50 anos o status político, econômico e social de Hong Kong -incluindo liberdades políticas e respeito aos direitos humanos. Os EUA demonstram seu desagrado por meio de ameaças de medidas retaliatórias. Apesar de os EUA não serem parte direta do acordo anglo-chinês, o Congresso aprovou em 1992 uma lei que autoriza o presidente a romper acordos com Hong Kong; a lei prevê que os EUA manterão acordos em separado com Hong Kong mesmo após a reversão para a China. Mais especificamente, Clinton poderia suspender o status de nação mais favorecida para o comércio -de que Hong Kong desfruta há tempos-, o que causaria o caos nas economias da colônia e da China: 45% do comércio exterior chinês passa por Hong Kong. Nessa eventualidade, que dramaticamente afetaria a relação EUA-China, interesses americanos na China sofreriam retaliação chinesa.
'Vírus democrático'
Ações tomadas por Pequim e seus representantes em Hong Kong desde o ano passado dão a forte impressão de que a China vai, entretanto, se esforçar para prevenir que o "vírus" da democracia sobreviva na RAE e ameace a ditadura no resto do país -apesar das reações internacionais.
Novos órgãos, Executivo e Legislativo, já foram criados por Pequim para tomar o poder em Hong Kong exatamente à meia-noite de 30 de junho. Para todos os efeitos práticos, esses órgãos são marionetes da China. Eles não perderam tempo ao anunciar, no começo do ano, que as liberdades hoje garantidas pelos britânicos serão suspensas e que a liberdade de imprensa e as manifestações pacíficas não serão toleradas.
Desde o começo de 1996, quando a súbita "nacionalização capitalista" foi lançada, a China se tornou o maior investidor em Hong Kong, passando o Reino Unido. Chen Zying, vice-chanceler chinês encarregado dos negócios de Hong Kong, disse no Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça), em fevereiro, que os investimentos diretos da China no território atingiram US$ 25 bilhões, representando 60% do total de investimentos chineses fora da China. Os banqueiros locais estimam que US$ 65 bilhões anuais cheguem à colônia a partir da China.
Com US$ 105 bilhões em reservas externas no começo deste ano (o segundo maior valor no mundo, depois do Japão) e aproximadamente US$ 36 bilhões em investimentos estrangeiros durante 1996 (30% do total que chegou à Ásia nesse ano), Pequim pode tranquilamente arcar com os custos da solidificação de seu poder sobre a economia de Hong Kong.
E, como um grande banqueiro observou, Pequim pode mudar o status político e econômico por meio do controle de bens que antes pertenciam ao Reino Unido -sem violar acordos com Londres; eles seriam, em vez disso, "subitamente transferidos".
Não importa se Pequim tem ou não um plano global para a conquista econômica de Hong Kong, mas o governo chinês trabalhou para criar um esforço combinando da presença de estatais chinesas (como a Citic), investimentos dos governos da Província de Guangdong, entre outras, e bilionários empresários individuais do país.
Lucros enormes continuam sendo obtidos Hong Kong, que tem mais Rolls-Royces por habitante que qualquer outra cidade do mundo. A Bolsa de Valores local, com um mercado de capitalização de US$ 370 bilhões, é a segunda mais importante do continente, após Tóquio, e a sexta no mundo.
Washington e Hong Kong são, claro, alvos e ambientes totalmente diferentes. Mas ambos são objetivos estratégicos importantes para a China, à medida que ela se torna uma potência mundial. Há a estimativa, por exemplo, de que a China detenha atualmente 25% dos bens de Hong Kong.
Deve haver outros alvos estratégicos. E é possível que a penetração de Pequim e seu controle sobre as operações tenham sido orquestrados pelo homem que foi a uma recepção informal na Casa Branca, o misterioso sr. Wang, e sua rede de chineses nos EUA e ao redor do mundo.

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