São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Laboratório Brasil

GILBERTO DIMENSTEIN

O ministro das Relações Exteriores, Luís Felipe Lampreia, lançou na semana passada na sede da ONU, em Nova York, operação inimaginável até pouco tempo atrás.
Nos bastidores diplomáticos articula a nomeação de um brasileiro para ocupar o cargo das Nações Unidas, criado em 1995, de xerife mundial das liberdades. Nome do posto: Alto Comissário para Direitos Humanos.
A novidade é que ele não apresentou o nome de um diplomata, mas de alguém que recentemente não seria incluído na lista de convidados de uma festa do Itamaraty. A instituição, como se sabe, perseguiu exilados no regime militar. E mesmo no regime civil vociferava contra denúncias de abusos de direitos humanos no Brasil vindas do exterior, numa patriotada estéril.
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O ministro apresentou à ONU o nome do sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, que já deu muito trabalho a embaixadores brasileiros, preocupados em preservar a imagem do país.
Criador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, Pinheiro usou seu prestígio internacional para denunciar violações dos direitos humanos de negros, índios, mulheres, crianças, presidiários e trabalhadores rurais.
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Apoiada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, a indicação de Paulo Sérgio Pinheiro agrada, internamente, à esquerda. Ele foi cotado para ministro da Justiça de Lula.
Externamente, recebe aplausos de entidades de direitos humanos. A candidatura recebeu a adesão imediata do Human Rights Watch, mais importante entidade americana de fiscalização das liberdades individuais, influente no governo Clinton.
O lance diplomático dá uma polida em nossa imagem de terra da impunidade; uma realidade que, por enquanto, sofreu mínimas alterações.
Apesar de toda a gritaria, cresce, por exemplo, o número de assassinatos de crianças. Perdura e, em alguns lugares piora, o ambiente de guerra civil nas cidades.
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A indicação de Pinheiro não é só marketing. É indício de que a sociedade brasileira continua selvagem, mas está mudando de mentalidade. É relevante o governo convidar um militante de direitos humanos -mais relevante, porém, é ele aceitar.
Recebo e-mails diários dizendo que meu otimismo deriva do fato de eu morar em Manhattan e não na zona sul de São Paulo, por exemplo.
Por estar em Manhattan, síntese urbana dos desafios mundiais, sou diariamente estimulado a ver, nos contrastes, como os brasileiros ainda estão despreparados para enfrentar o jogo bruto da globalização. Nossas escolas e faculdades são indecentes; nossas empresas de telecomunicações, primitivas; nossa burocracia incompetente e irracional.
Há, entretanto, uma avalanche de experiências inovadoras, que fazem do Brasil um fértil laboratório social.
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Incrível que mesmo pessoas bem-informadas não percebam esse movimento de mudança, acostumadas a analisar o país sob a ótica do governo -e, mais especificamente, de Brasília.
Exemplo de ação estratégica fora dos limites oficiais ocorre neste mês: alguns dos maiores grupos empresariais brasileiros se uniram para patrocinar programas educativos, a serem distribuídos gratuitamente pela TV Futura, da Globosat, a emissoras de televisão.
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TVs comunitárias estão surgindo nas cidades brasileiras com resultados notáveis para a valorização de bairros e comunidades. O acesso gratuito à TV é prática antiga nos EUA, onde há 2.000 emissoras desse tipo.
Só em Manhattan existem seis canais comunitários, amplificando a voz de grupos de negros, mulheres, deficientes mentais, gays, crianças.
Num país como o Brasil, com enorme concentração de renda e pouco acesso à informação, as TVs comunitárias, podem apostar, vão mexer nas estruturas de poder.
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A criatividade está mais e mais presente nas cidades, sem distinção ideológica. Número crescente de municípios adere à idéia do PT de vincular renda mínima à educação.
Em 181 cidades do Paraná, o governador Jaime Lerner, do PDT, distribui cestas básicas para famílias que mantiverem todos os filhos na escola.
O prefeito de São Paulo, Celso Pitta, está oferecendo emprego aos mendigos. Quer criar centros de lazer para adolescentes pobres abertos 24 horas, diminuindo a tensão nas ruas.
Ações como essas não acabam com a miséria, mas diminuem a indigência. É um começo. Solução mesmo é emprego e salário digno -e, aí, o buraco é mais fundo do que se imagina.
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PS - Apesar da demagogia, dos exageros e encenações, a CPI dos Títulos Públicos tem produzido resultados positivos. É mais um capítulo no avanço, via Congresso, da fiscalização dos governos. Dou, aqui, a cara para bater. Confesso que já não sinto a mesma descarga de adrenalina com as investigações de roubalheira. Considero hoje mais instigante para o futuro do país empresários e prefeitos patrocinarem programas educativos do que CPIs caçarem delinquentes.

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail gdimen@aol.com

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