São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Os doleiros

FERNANDO RODRIGUES

Brasília - A CPI dos Precatórios investigou tudo o que pôde até agora. Só que esbarrou em algo quase intransponível: os doleiros.
Esse profissional do câmbio negro, um velho conhecido da classe média brasileira, não quer falar de jeito nenhum. Não entrega o nome dos seus clientes preferenciais, os mandantes do esquema dos precatórios.
Sem que um doleiro fale, a CPI está convencida de que será quase impossível incriminar algum peixe realmente grande do esquema.
Sim, porque carro alugado para a primeira-dama paulistana, Nicéa Pitta, e telefonemas do governador catarinense para banqueiros provam muito pouco. Quase nada, a não ser muita falta de vergonha.
O que os senadores da CPI realmente cobiçam são números de contas no exterior e recibos de despacho do dinheiro. Isso, só um doleiro pode apresentar. E mais ninguém.
O problema é que vigora entre os doleiros uma espécie de código do silêncio. É a alma do negócio.
O doleiro que delata seus colegas ou clientes sofrerá, certamente, consequências. Até a morte, dizem.
Apesar de tudo isso, parece que uma luz começou a surgir no meio desse mundo submerso. Vários doleiros foram contatados nos últimos dias pelos senadores da CPI.
Esta coluna também já conversou com dois doleiros que participaram da lavagem de dinheiro dos precatórios.
Arredios, eles começam negando tudo. Aos poucos, dizem que "não existe doleiro que diz que é doleiro". E alguns até arriscam perguntar sobre as garantias que teriam no caso de aceitarem delatar os mandantes da máfia.
Esse é o obstáculo. Doleiros terão de confiar na palavra de senadores. Não há lei que permita a impunidade de quem entrega outro criminoso.
Os acordos, se é que haverá algum, serão todos informais entre senadores e doleiros.
No fundo, trata-se de prática semelhante àquela já desenvolvida pelos próprios doleiros na rotina diária: acertos apenas na base da palavra.

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