São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Riscos e virtudes da CPI

MIGUEL REALE JÚNIOR

Os resultados do passado recente, impeachment de Collor e cassação do ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro e do então líder do PMDB, Genebaldo Corrêa, não bastam para aplacar o temor crônico da impunidade. Na verdade, alimenta-se o desejo de punição e satisfaz-se esse apetite em cenas de inquisição medieval, nas quais testemunhas são bombardeadas, horas seguidas, por uma dezena de senadores, com ameaças de prisão caso não tenham o desprendimento de incriminar a si mesmas.
A exigência de dizer a verdade em prejuízo próprio é feita sob pena de processo por perjúrio, sem se aperceber o quanto tal se aproxima da tortura. Dessa maneira, o clima passional domina a cena, quando a investigação discreta, com certeza, levaria mais consistentemente a desatar o nó da questão.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito é órgão de investigação privilegiado, de vez que reúne a forma inquisitiva a poderes próprios da magistratura, como a quebra dos sigilos bancário e telefônico, revestindo-se de obrigatória publicidade -aliás, de busca sôfrega de publicidade, o que, por si só, amedronta a mais irrelevante testemunha.
Esses poderes têm redundado, sem dúvida, em resultados positivos na maioria das Comissões Parlamentares de Inquérito, o que já sucede com esta inicialmente insossa comissão dos títulos precatórios, que trouxe à tona as mazelas do sistema financeiro brasileiro, as deficiências de controle dos órgãos de fiscalização, do Banco Central e do próprio Senado, a "lavagem de dinheiro", processada em poucas horas, a improbidade de agentes públicos.
Não há, contudo, tranquilidade no estudo das provas, sendo relevantes, a meu ver, antes as documentais do que as testemunhais, e que devem ser analisadas com menos exposição e mais afinco, contando com assistência de especialistas, medida que, parece, se vem agora a adotar.
Mas se há um resultado positivo que se antecipa é o da revelação de atos de improbidade administrativa, figuras de infração ético-política previstas na esquecida lei nº 8.429 de 1992, que consagra, de forma salutar, como ato de improbidade o recebimento de vantagens, gratificações e presentes ofertados por quem tenha interesse junto à administração pública ou a esta se encontre submetido.
Em tese, é o caso do então secretário das Finanças de São Paulo, Celso Pitta, beneficiado com a dádiva de locação de um carro por 20 dias, ofertado exatamente pelo Banco Vetor, que, como secretário, Pitta indicava como comprador de títulos da prefeitura, em aquisição privilegiada com desconto.
Suficiente este fato para gerar o juízo positivo do trabalho da CPI, cujos excessos devem ser evitados pelos senadores. A estes é importante a consciência dos riscos de inquisições destituídas de limites próprios do Estado de Direito e que podem comprometer uma tarefa fundamental de desvendar os meandros dessa aliança perigosa entre sistema financeiro e improbidade administrativa.
Essa conjugação de grandes bancos, pequenas corretoras e empresas fantasmas com servidores públicos e agentes políticos improbos pode vir a ser um coquetel explosivo, que exigirá maior cautela na apuração, pois o pirotécnico é, sem dúvida, o que de melhor poderia acontecer aos implicados, beneficiados com a desmoralização da CPI.
Um grande desafio põe-se à frente da CPI após a Páscoa, quando, então, terá por objeto de investigação o poder real deste país, lideranças políticas nacionais, e não provincianas como Collor, e o alto sistema financeiro, e não conexões Palermo-Maceió.
Muito estará em jogo, pois hoje, na América Latina, a democracia corre riscos não pelo eventual desatino de alguns militares golpistas, mas pela possível descrença nas instituições, esgarçadas pela corrupção.

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