São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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O declínio das cidades brasileiras

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Fazia muito tempo que não passava por lá. Nutria ainda a imagem da minha juventude, quando nela parava para admirar a sua beleza. Refiro-me à Igreja da Candelária no Rio de Janeiro -um marco da arquitetura nacional.
Na semana passada, meu compromisso foi nas suas redondezas. Não resisti chegar até a igreja. Foi chocante. Logo na entrada, vi um varal de roupas penduradas por moradores de rua. Uma sujeira indescritível. Gente misturada com lixo. Paredes todas pichadas. Um mau cheiro insuportável. Que tristeza!
Tenho refletido sobre a disseminação da imundície metropolitana. Muitos atribuem esse problema ao desemprego e à pobreza. Não descarto tais fatores, mas não os exagero. Comecemos pela atividade de pichar.
As tintas mais usadas na pichação vêm em tubos com aspersores embutidos. São as mais práticas. É só mirar e apertar o botão.
Pois bem: um único tubo dessa tinta custa R$ 15. E, para pichar uma parede média, os "artistas" gastam cinco tubos. Muitos misturam-nos com um ácido a fim de tornar sua "obra-prima" irremovível. Numa brincadeira como essa, gasta-se bem mais de R$ 120: mais de um salário mínimo.
Portanto, pichar custa caro. Não é esporte de pobre.
Quanto ao desemprego, nunca vi ninguém pichando durante o dia. A pichação acontece na calada da noite e é feita por gente que pode dormir durante o dia. São pessoas pouco interessadas em trabalhar, pois se procurassem trabalho à luz do dia não teriam como ficar acordadas noite adentro.
A pichação é produto de "filhinhos de papai", bem aquinhoados de dinheiro e tempo livre. Se um garoto desses der três ou quatro pichadinhas por mês, seus pais terão de garantir-lhe uma generosa mesada.
Além dos pichadores, as cidades são emporcalhadas pelos dorminhocos inveterados. Quem passa pelos jardins públicos de São Paulo pode observar o conforto dos que dormem, acalentando seus sonhos e devaneios a céu aberto. Nunca acordam antes do meio-dia.
Mesmo assim, o ato de acordar é "saboreado" longamente. Espreguiçam-se, sentam-se, olham para os transeuntes, voltam a se espreguiçar para, só depois de muito tempo, tomarem as primeiras providências do dia, dentre elas a de dormir mais um pouco.
Os dorminhocos profissionais comem e fazem suas necessidades no próprio "local de trabalho" -o que, aliás, pode ser comprovado pelo viço da grama e das plantas dos jardins.
A Prefeitura de São Paulo tentou empregá-los como garis. Poucos se interessaram. Não querem mudar de estilo de vida.
Do que vivem, não sei. O fato é que os dorminhocos de rua, no Rio e em São Paulo, proliferam-se em alta velocidade. Velocidade essa que só é superada por sua inabalável convicção de não trabalhar.
Num quadro como esse, é difícil convencer os organismos internacionais a trazerem para o Brasil eventos de repercussão mundial como a Olimpíada de 2004.
Além de todos os problemas de infra-estrutura e superpopulação, o enfeamento das nossas cidades reflete o desrespeito de cidadãos acomodados e o desleixo das autoridades. Deus nos deu um Brasil muito bonito para ser desfigurado por brasileiros sem amor. É hora de acabarmos de uma vez com essa vergonha nacional.

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