São Paulo, terça-feira, 25 de março de 1997
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Levi-Strauss reflete sobre a arte

NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Ponto de partida: uma abordagem das telas de Poussin, em que se discute como o pintor tratará a expressão "Et in Arcadia Ego". Ponto de chegada: os significados distintos, atribuídos por duas tribos do Alasca, aos mitos acerca das relações entre um chefe e a estátua de sua mulher morta.
Entre esses pontos, percorre-se um caminho balizado pelo esmiuçamento de certa nuança musical numa ópera de Rameau; por algumas pinceladas a respeito da memória em Proust; pelas idéias estéticas de Rousseau e Diderot; pela análise estrutural do soneto das vogais de Rimbaud; por cartas trocadas entre o autor e André Breton; pela, digamos assim, mitopoética da arte arcaica da cestaria.
Se o leitor imagina que se trata de uma paráfrase do final do "Ulisses" joyceano, com Molly Bloom em pleno monólogo interior depois de deixar uma festa beatnik possuída pelo espírito do chapeleiro louco de "Alice no País das Maravilhas" -isso é porque não há como lhe demonstrar a coesão, a coerência e o brio do "tour de force" em questão, exceto, talvez, esgrimindo o nome do responsável: Claude Lévi-Strauss.
Quem já tenha lido algo daquele que é hoje o maior intelectual vivo estará propenso a aceitar que, além de ter percorrido o trajeto acima, ele, de resto, conseguiu apresentá-lo num livro eminentemente legível. O que se pode acrescentar? Ah, sim: que, conjugando pintura, música e literatura, a obra é uma reflexão, ao mesmo tempo pessoal e teoricamente impecável, sobre a arte.
"Olhar Escutar Ler" não pode, a rigor, ser parafraseado, e seu resumo, num estilo necessariamente mais pobre que o do autor, acabaria ocupando páginas e páginas além das exíguas cerca de 150 do original. A tentação, portanto, seria de dizer que o livro encapsula uma espécie de súmula do pensamento lévi-straussiano, isso é, que poderia ser lido como um testamento. Mas ninguém escreve um testamento assim. E o texto representa tanto a culminação de várias preocupações quanto a inauguração de inúmeras outras.
Num tempo em que as disciplinas humanísticas vêm se degradando nos bocejos pomposamente herméticos das politicagens departamentais ou dos micro-sensacionalismos midiáticos, deveria ser um choque saudável para todos contar com um despertador capaz de anunciar que há muito trabalho a fazer, Lévi-Strauss continua a fazê-lo.

Livro: "Olhar Escutar Ler"
Autor: Claude Lévi-Strauss
Tradução: Beatriz Perrone-Moisés

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