São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 1997
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Pitta virou 'laranja' de Maluf, diz pianista

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Dono da empresa Paubrasil e operador do esquema que arrecadou US$ 19 milhões para as campanhas malufistas em 90 (governador) e 92 (prefeito), João Carlos Martins admite que o prefeito Celso Pitta, a exemplo dele, pode ter sido usado como "laranja" do esquema malufista.
"O fato de eu ter feito duas campanhas recebendo todos os cheques nominais e fazendo todos os cheques com recibo, eu posso até ser chamado de 'laranja"', diz. Para Martins, Pitta é uma "pessoa digna, mas que pode ter sido vítima daquilo que eu usaria a mesma expressão: quase que um laranja".
Martins, que quer depor na CPI, deu essa declaração em entrevista ontem à Folha. Pianista, morando em Miami (EUA), ele fez ressalvas sobre sua declaração. Acha que não devia falar isso por não ter acompanhado melhor a atuação de Pitta no caso dos precatórios. Acredita que Pitta é "honesto".
Na entrevista, Martins queixa-se do comportamento de Maluf em relação a ele. Diz que o ex-prefeito se afastou dele após a descoberta do caso Paubrasil. Calim Eid, tesoureiro das campanhas de Maluf, é o único com quem ele mantém amizade no staff malufista.
O abandono de amigos na hora em que eles enfrentam problemas, segundo Martins, é um traço da personalidade de Maluf. "Os amigos vão e vêm. Os inimigos se acumulam", diz, sobre o ex-amigo.
Queixa-se de não ter recebido um único telefonema de Maluf após tentativa de assalto que sofreu na Bulgária, em 95. Martins sofreu hematoma cerebral.
Trechos da entrevista que Martins deu, por telefone, à Folha:
*
Folha - Como estão suas atividades musicais, após o acidente?
João Carlos Martins - O meu problema é conseguir, apesar de meus problemas físicos, voltar à música. Mas recomecei. Fiz minha volta em Nova York e agora recomeço os concertos normalmente.
Folha - No Brasil, a CPI dos Precatórios trouxe à tona o caso Paubrasil. O que o sr. acha disso?
Martins - Graças a Deus, nem sei o que quer dizer precatório. No dia 14 de novembro de 92, foi a última atividade da Paubrasil na segunda campanha política do sr. Paulo Maluf.
Folha - Mas por que aparecem os mesmos agentes nos casos Paubrasil e precatórios?
Martins - No caso Paubrasil, eu emiti, acho, cerca de 2.000 cheques. Se a pessoa que recebia o cheque depositava na conta dele ou trocava numa corretora, eu não tinha domínio sobre isso.
Folha - As investigações feitas pela CPI apontam na direção de campanhas eleitorais...
Martins - Esse problema tem no mundo inteiro. Quem está ajudando campanha eleitoral sempre está interessados em trabalhar para o governo "a posteriori".
Folha - E a participação do Pitta no caso dos precatórios?
Martins - Vi Pitta duas ou três vezes na minha vida. Me pareceu uma pessoa séria. Não gostaria de acreditar que houvesse alguma segunda intenção dele na prefeitura.
Folha - Qual a participação de Pitta no esquema?
Martins - O fato de eu ter feito duas campanhas, recebendo todos os cheques nominais e fazendo todos os cheques com recibos, eu posso até ser chamado de um "laranja". Pitta é uma pessoa digna, mas que pode ter sido vítima daquilo que eu usaria a mesma expressão: quase um "laranja".
Folha - Pessoas de confiança do Pitta faziam parte do esquema dos precatórios. O sr. acha que ele e o Maluf não tinham conhecimento?
Martins - A responsabilidade final provando que realmente isso aconteceu -e eu nem acredito que isso tenha acontecido -, cai na mão do mandatário supremo.
A responsabilidade tem que ser do prefeito. No Paubrasil, assumi toda a responsabilidade. Enfrentei coisas que só eu e Deus sabemos. Não adianta fugir e dizer que a responsabilidade é do quinto escalão.
Folha - O sr. era muito amigo do Maluf. Como são as relações hoje?
Martins - Nenhuma. Nesse drama que passei, tenho uma dívida de gratidão com duas pessoas. Uma é o meu irmão Ives Gandra. A outra é um amigo desde que eu tinha nove anos, que é o Calim Eid.
Quanto ao sr. Maluf, eu estava praticamente à morte, na Bulgária. Fiquei cinco horas desacordado numa rua, todos os jornais noticiaram. Depois, fiz uma operação para extrair um tumor nas costas. Nunca recebi um telefonema dele.
Folha - Ou seja, o sr. colocou sua empresa a serviço do Maluf...
Martins - Nos primeiros seis meses do caso Paubrasil, ele me telefonou. Mas, depois que a coisa ficou toda delineada para a palavra Paubrasil, nunca mais recebi um telefonema dessa pessoa.
Folha - O sr. acha que esse é um traço da personalidade do Maluf?
Martins - Acho. Não fosse o Calim, eu estaria totalmente à deriva.
Folha - O sr. está arrependido de ter colocado sua empresa para arrecadar dinheiro para Maluf?
Martins - Eu preciso acreditar em reencarnação para voltar a viver e saber que jamais participaria de qualquer campanha política, principalmente do Maluf.

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