São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 1997
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Fausto e Mefistófeles

LUÍS NASSIF

Fausto Solano Pereira, da corretora Boa Safra, protagonizou o momento mais hilariante da CPI, ao informar que recebera o cheque de US$ 9,7 milhões do IBF -o "laranja" do esquema dos precatórios- de um tal de dr. Renê, o Mefistófeles da CPI, que ele nem soube explicar quem era.
Para quem conhece o mercado, a história tem pé e cabeça. Não mostra que ele é inocente. Mas não prova que ele é culpado.
Solano entra em contato com a coluna -por meio de seu advogado- solicitando espaço para apresentar sua versão.
Ele tem história no mercado. No passado, foi sócio da Stotler Dime, empresa que tinha como parceiro a Stotler, líder mundial do mercado de commodities. Também foi um dos criadores dos fundos de commodities.
Quando o mercado começou a mudar, encerrando a era da renda fixa, Solano passou a trabalhar operações externas.
Tem um portfólio considerável. Trouxe para o Brasil a maior corretora de seguros dos Estados Unidos, a E.W. Blanch, a companhia que adquiriu a Light. No momento, trabalha em um projeto de Direct PC com a Word Co., maior empresa de celular fixo do mundo.
Operações estaduais
Nos últimos tempos, passou a operar com Estados, e organizou pelo menos três operações relevantes.
No Paraná, montou operação de debêntures no valor de US$ 350 milhões, que permitiu ao Banestado captar a 18% ao ano e emprestar a 38% a 42% ao ano.
Em Santa Catarina, foi o criador da primeira SPC pública do país (empresas que emitem debêntures tendo como lastro ativos do setor público), o Invesc, tendo como lastro ações da Celesc (a companhia de eletricidade estadual).
A segunda Invesc foi montada tendo como lastro ações da Companhia de Águas e Saneamento do Estado. Permitiu ao Estado captar US$ 350 milhões, o "funding" exigido pela General Motors, para instalar seu complexo em Santa Catarina.
A operação Invesc 2 foi montada com o Bradesco e o banco Safra. Por que o Bradesco? -o próprio Solano indaga. Para provar que ele tem relação profissional com o banco, porque lhe traz negócios rentáveis e legítimos, e não porque durante dois anos foi casado com a filha de Lázaro Brandão, o presidente do banco. "O mercado sabe que nem o Bradesco nem o seu Brandão fazem negócios dúbios", diz ele.
O doleiro do precatório
A história do cheque é a seguinte:
Solano possui uma "off shore" (empresa registrada no exterior) nas Ilhas Cayman e precisava transferir US$ 1,7 milhão para o Brasil, via "cabo".
1) Quem quer vender os dólares deposita o dinheiro na conta do doleiro brasileiro, em um paraíso fiscal.
2) Quem quer comprar os dólares deposita reais na conta do doleiro em São Paulo.
3) O doleiro faz a compensação, transferindo lá fora os dólares para a conta de quem comprou; e aqui dentro pagando em reais para quem vendeu os dólares.
Tudo é feito na confiança, sem formalidades, mesmo porque, apesar da abundante, a operação é ilegal.
Segundo Solano, naquele dia o doleiro informou que na ponta da compra de dólares tinha um único grande comprador -o cheque do IBF, de R$ 9,7 milhões. Na outra ponta, enorme lista de vendedores de dólares.
Sugeriu que a Boa Safra recebesse o cheque, fizesse a compensação, retivesse seu US$ 1,7 milhão e distribuísse o restante para as demais pessoas.
A prova de sua inocência -segundo Solano- é que na relação de pessoas a quem distribuiu os demais cheques figura até a Embaixada do Japão -que precisava de US$ 80 mil, recursos para pagar seus funcionários.
A segunda é que, sendo experiente no ramo, se tivesse a menor idéia sobre sua procedência, jamais depositaria o cheque em sua conta.
Há uma lógica na explicação. Pesa contra o Boa Safra o fato de já ter negociado debêntures com Santa Catarina, de Santa Catarina ter negociado diretamente US$ 400 milhões da emissão (lançando suspeitas de que ele tenha sido o organizador da operação) e a evidência de que recebeu o cheque justamente do principal "laranja" do esquema.
De qualquer modo, há uma maneira simples de apurar se foi coincidência ou culpa. Basta a CPI distribuir a lista das pessoas que receberam os cheques da Boa Safra.
Correção
Ao contrário do que a coluna escreveu na sexta-feira passada, quem primeiro lembrou as relações entre a Corretora Split e o esquema Pau Brasil foi o "Jornal da Bandeirantes".

E-mail: lnassif@uol.com.br

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