São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 1997
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Compositor reinventou jeito de fazer boa música

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Vejamos o óbvio lugar de Ludwig van Beethoven (1770-1827) na história da música. Bach (1685-1750) levou o barroco a tais extremos que, depois dele, era inevitável a emergência de uma nova gramática musical. Foi o classicismo, no qual papel quase equivalente estava reservado a Mozart (1756-1791).
A ruptura seguinte viria justamente com Beethoven. Ele enterrou o classicismo e lançou os fundamentos do romantismo, que não é "sentimento". Há novas ousadias harmônicas em sonatas, trios e quartetos e a aparição do sinfonismo opulento, moderno.
Inevitável que Beethoven ainda alimente, hoje, uma espécie de "indústria de pesquisas". A expressão é do musicólogo britânico Barry Cooper, da Universidade de Manchester, no prefácio de "Beethoven, um Compêndio", traduzido no ano passado pela Zahar.
São 405 páginas de erudição palatável. Cooper e quatro colaboradores não deixam encoberto nada que seja relevante.
Têm o mérito de não exagerar os sofrimentos íntimos que Beethoven enfrentou com a surdez e as frustrações amorosas.
Tampouco fazem concessões à visão desinformada, que procura condensar exclusivamente nas nove sinfonias suas idéias musicais.
Beethoven era baixinho. Foi esbelto e elegante até por volta dos 30. Depois, engordou e se tornou pouco atento à moda e ao vestuário. Não possuía gestos delicados. Quebrava copos e pratos e entornava o tinteiro com facilidade.
Pediu três mulheres em casamento. Foi pelas três rejeitado. Apaixonava-se com facilidade, mas não há nenhuma prova de que tenha conhecido de perto uma mulher como amante.
Seu grande e obsessivo amor foi pelo sobrinho de quem se tornou tutor. Por Karl (era o seu nome), manteve uma interminável disputa na Justiça com a cunhada, Johanna.
Os biógrafos também põem por terra a idéia de que Beethoven tenha sido um homem relativamente pobre e complexado, diante de uma nobreza que o beneficiava por um mecenato contratual.
Um casal de criados, por volta de 1815, custava-lhe 900 florins por ano. Mas sua renda fixa anual já era de 3.400 florins, e ele passou a receber altas somas dos editores pelo direito de publicação de suas partituras.
Sua rotina vienense -em que pesem os indícios de desorganização de sua vida pessoal- foi em suas duas últimas décadas bastante regular. Acordava ao clarear, compunha até 13h ou 14h, depois almoçava e raramente saía de casa à noite, quando lia intensamente.
Foi um grande pianista e um medíocre maestro. "Ries (um de seus amigos) recorda uma ocasião em que ele estava regendo a 'Eroica' e lançou a orquestra tão mal no primeiro movimento que foi necessário reiniciá-lo."
Interessava-se por filosofia, amava os gregos, mas, também em termos de embasamento cultural, Beethoven foi um curioso assistemático. Rejeitou certa vez o convite para assistir a algumas conferências de Kant. Conheceu Goethe, com quem se correspondeu.
Por fim, o Beethoven político se resumia na nem sempre fácil conciliação entre o libertário e o patriota germânico. Admirou de início Napoleão, mudando de idéia depois da primeira invasão de Viena pelos franceses. Possuía em alto conceito a democracia inglesa.
Nos últimos anos do século 18, prevalecia entre intelectuais e curiosos germânicos a impressão de que a Revolução Francesa se alastraria por toda a Europa.
"Contanto que um austríaco possa conseguir sua cerveja escura e suas salsichinhas, não é provável que se revolte", comentou em carta de 1794. Anos depois, seria um admirador dos Habsburgo, a casa reinante da Áustria.

Livro: "Beethoven, um Compêndio"
Organizador: Barry Cooper
Quanto: R$ 45 (405 págs.)

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