São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 1997
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Agonia de Bacall, glória de Binoche e histeria de Cuba resumem o show

DA REDAÇÃO

Três momentos no show do Oscar definem a premiação.
No primeiro, logo na apresentação, o apresentador Billy Crystal pede ao ator-produtor Tom Cruise que lhe explique o "plot" de "Missão Impossível".
Sinal de que, para Hollywood, o cristalino "Missão Impossível" -expelido já nas indicações- é incompreensível, mas "Jerry Maguire" ou "O Paciente Inglês" são compreensíveis. Dá medo, se se pensa que o Oscar é um indicador do imaginário americano.
No segundo, Cuba Gooding Jr. ganha o Oscar de melhor ator coadjuvante, sobe para receber o prêmio, tem uma espécie de ataque histérico. Fala, grita, gesticula. A música entra e Cuba nem aí.
Lembra um pouco quando Sally Field, nos anos 80, disparou a dizer "you love me, you love me", ou algo assim, e não saía mais disso.
Quem viu "Jerry Maguire" sabe que Gooding Jr. está apenas retomando seu personagem no filme: um jogador de futebol histérico até o insuportável, às voltas com um agente (Tom Cruise) que teve uma súbita crise de consciência.
Cuba Gooding é um bom ator. O personagem, porém, era, com toda certeza, o pior de todos os indicados. Nessa altura já dá para pensar que a América está com água-de-coco na cabeça.
"Jerry Maguire" é singelo até o ponto em que isso se confunde com a tolice. Compreende-se que o árido meio cinematográfico tenha apreciado o filme. Substituído o atleta por um ator, teríamos ali um retrato das agruras da gente de Hollywood.
O filme poderia ser uma metáfora da sociedade competitiva contemporânea e da corrupção pessoal a que essa competitividade induz. Mas é apenas uma ficção sentimental, aborrecida, em que as boas presenças de Cruise e Gooding são compensadas por uma atriz inviável, um roteiro banal e diálogos inacreditáveis (fazem pensar, pela imprecisão e repetição, em novelas de TV, mas nas novelas os autores escrevem quase uma hora por dia, dá para relevar).
O terceiro momento é típico do aspecto perverso do Oscar.
Lauren Bacall, indicada pela primeira vez ao prêmio (como atriz coadjuvante), é uma instituição. Tem mostrado que é especial desde 1944, quando estreou, até hoje. De quebra, é a viúva de Humphrey Bogart.
Quando o prêmio foi anunciado para Juliette Binoche, houve ao menos duas expressões de pasmo na platéia: Bacall parecia estar levando uma punhalada; Binoche parecia estar sofrendo um desmaio. Até Rubens Ewald Filho, aqui na Globo, perdeu o fôlego.
Refeita, mas não tanto, Juliette sobe ao palco para expressar o tamanho de sua surpresa. Não tinha discurso preparado (aparentemente era franca) e só faltou entregar o prêmio a Lauren Bacall.
Coisa de francês: são capazes de amar mais a história e a sua arte do que a si mesmos.
A vitória de Binoche foi, em todo caso, a indicação da lavada que "O Paciente Inglês" daria a seguir. Nove Oscars! Só três derrotas: ator, atriz e roteiro adaptado.
A lavada seria completa, caso "Fargo" não tivesse levado dois prêmios (roteiro original e atriz principal): muita coisa -e importante- para um azarão.
Para "Shine" restou o prêmio de melhor ator, dado a Geoffrey Rush, como o pianista com problemas mentais. Na concorrência, havia um paralítico ("Larry Flint"), um moribundo ("O Paciente"), outro com problemas mentais ("Sling Blade"). Enfim, o pátio dos milagres habitual.
Para avalizar o prêmio, David Helfgott, o personagem de "Shine", tocou piano mal durante a cerimônia. Foi aplaudido delirantemente. Mais uma vitória dos casos clínicos sobre a arte.
No fim, o resultado foi coerente. Assim como Helfgott, Hollywood parece um tanto perturbada. Assim como "O Paciente Inglês" e "Fargo", parece não ter muito a dizer.

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